inquisição socialista 800 px

 

Há fatos que desafiam a lógica. Um dos mais frequentes e estranhos são pessoas que, em nome da liberdade, em nome de utopias libertárias pessoais ou coletivas, endossam teses que restringem esta mesma liberdade que dizem defender. Totalitarismos de direita e de esquerda se irmanam nestas práticas. Se a democracia e o estado de direito são reconhecidos pelo ocidente como um avanço civilizatório, como um inequívoco palco para o aperfeiçoamento das relações sociais e trabalhistas, da luta por direitos e o exercício de deveres, é neste mesmo ocidente que pseudointelectuais teimam em atropelar a lógica. Emprego o termo pseudointelectuais não para falar de pessoas ou profissionais que desconhecem o tema, mas para designar aqueles que estudaram muito, leram muito, escreveram muito, mas não entenderam nada. Para ficarmos na realidade mais próxima, dois exemplos recentes saltam aos olhos: Vladimir Safatle, professor da USP, colunista da Folha de São Paulo e comentarista convidado na TV Cultura; e Janio de Freitas, renomado jornalista “das antigas”, que também é colunista da Folha de São Paulo.

Sobre Vladimir Safatle, já escrevi neste blog, mas acredito interessante ilustrar o que afirmo. Vejam este trecho de artigo publicado na Folha em 20 de maio de 2014:

“Elas nem sequer perceberão sua singularidade, até que seja tarde demais para reagir.”

Essa descrição de Deleuze era, na verdade, uma espécie de conselho que talvez seja a nossa versão contemporânea para as virtudes da prudência.

Observem o uso fraudulento da frase de Deleuze, pensador que em tudo é o avesso das teses totalitárias defendidas por Safatle. Ao inserir a frase em um novo contexto, dá a ela um sentido oportunista. Se em Deleuze tem um viés libertário, no artigo de nosso Lenin tupiniquim revela o ovo da serpente que suas ideias gestam. A intenção do bote venenoso está toda ali, furtiva. Quando a esquerda, e principalmente a esquerda à qual Safatle se vincula, fala em democracia, mente. Ou melhor: omite, pois fala de um outro conceito de democracia que pressupõe a destruição da democracia que conhecemos, a democracia liberal e a implantação de um tipo muito peculiar (e ficcional) de democracia em que a primeira consequência é destruir os direitos das minorias tão defendidas por Deleuze.

Voltemos o olhar então para Janio de Freitas, que em várias oportunidades revelou sua cegueira moral de origem ideológica. Da defesa de José Dirceu e bando no julgamento do mensalão à recente lista negra de jornalistas publicada pelo PT, o velho lobo não pestanejou: de peito aberto escolheu a defesa da corrupção e do arbítrio, desde que exercidos em nome de uma “boa causa”. É uma maneira de ver o mundo e, felizmente, em um estado democrático e de direito ele poder desfilar seus argumentos de ética peculiar, tendo como juízes apenas seus leitores. Jornalistas independentes (ou pessoas, simples cidadãos descontentes) não teriam a mesma sorte no cenário político com o qual sonha.

Sobre a defesa do índex publicado pelo PT, achei preciso o artigo no blog de Reinaldo Azevedo em

24/06/2014:

 

A coluna de Janio de Freitas cujo título é “Falta de caráter”

Numa coluna intitulada “Falta de caráter”, Janio de Freitas escreve o seguinte na Folha sobre a lista negra de jornalistas elaborada pelo PT e a reação de repulsa da entidade “Repórteres Sem Fronteiras”:

(…)
FRONTEIRAS
A associação internacional Repórteres sem Fronteiras surgiu com propósitos acima de políticas e de ideologias. Nessa linha, realizou importantes trabalhos em defesa de jornalistas e do exercício do jornalismo.

Sua atual atenção recente para a América do Sul tem suscitado algumas curiosidades. Agora mesmo, a respeito de críticas fortes do vice-presidente do PT, Alberto Cantalice, a jornalistas antipetistas, Repórteres Sem Fronteiras refere-se à “tensão entre governo e jornalistas da oposição”. Onde e como seria isso?

Alberto Cantalice não integra o governo. Ainda que um só integrante fosse dado como “o governo”, o que não é raro no jornalismo brasileiro, Cantalice não atenderia a tal papel. Quando muito, fala por seu partido. O PT, do qual é dirigente, não fala pelo governo. E, salvo indesculpável desatenção minha, nenhum fato atesta “tensão entre governo e jornalistas da oposição”.

O nível de liberdade de imprensa no Brasil das últimas décadas não precisa ter nem a mais sutil inveja da liberdade em qualquer país. Temos, sim, repórteres e comentaristas com fronteiras entre si, sejam filosóficas, sejam éticas, sejam outras. Isso atesta a plena liberdade de imprensa. E nos dispensa de fingir que não temos fronteiras.

Comento (Reinaldo Azevedo comenta)
Não vou esperar a minha coluna de sexta, na Folha, para responder, embora certamente vá voltar ao assunto, porque as respostas que vêm tarde já vêm frias, parafraseando Tomás Antônio Gonzaga. Janio precisa melhorar na arte em que acredita ser mestre: o jogo conceptista. É evidente que as fronteiras existem. Eu mesmo tenho muitas com o articulista: filosóficas, éticas, morais, outras…

Cito uma cerca de arame farpado ético, por exemplo: se, um dia, Janio fosse incluído numa lista de inimigos de qualquer partido ou entidade, em vez de, como ele faz, tentar explicar os motivos, por mais que eu costume abominar o que ele escreve, eu imediatamente protestaria e classificaria a prática de fascistoide. Já fiz isso em relação a pessoas cujo pensamento detesto. Está no arquivo do meu blog. A ética de Janio, que divide o espaço — a despeito de sua vontade, certamente — com duas das nove pessoas que integram a lista negra do PT (eu e Demétrio Magnoli), é outra: como resta claro em sua coluna, ele sugere que só estamos lá por bons motivos. Na prática, justifica e aceita a lista.

Voltem a seu texto. Começa dizendo que a “Repórteres Sem Fronteiras” surgiu “acima de políticas e ideologias”, e ele a elogia por isso. Só não gosta é da “atuação recente para a América do Sul”. Ah, bom! Informo: a entidade criticou, por exemplo, a barbárie na Venezuela e, agora, a lista negra petista. Vale dizer: para este senhor, quando a “Repórteres Sem Fronteiras” protege jornalistas contra governos de direita, ele acha o trabalho meritório; quando os protege da sanha de governos de esquerda, aí não. E, por isso, resolve fazer graça com o nome da entidade. Ora, ela se chama “sem fronteiras” justamente porque não tem na cabeça os arames farpados que delimitam, o, por assim dizer, pensamento de Janio de Freitas.

De resto, meu senhor, atenha-se ao texto. O comunicado da entidade não fala em “jornalistas antipetistas”, mas “de oposição”. Já não é um bom termo, mas ainda é passável porque a “oposição” pode ser coisa mais ampla do que o “antipetismo”. Quem recorreu a essa palavra é Janio — e, como se nota, ele acha que essa suspeita torna, então, aceitável a lista.

Quanto ao PT não ser o governo, aí só posso achar que se trata mesmo de uma piada ou de falha moral. O partido é o ente que foi eleito para dirigir o país — e como dirige! Não há jornalista de Brasília que não saiba como funcionam as coisas por lá. Janio certamente fala bem com Gilberto Carvalho. Por que ele não pergunta ao ministro como surgiu a tal lista — que, de resto, foi parcialmente antecipada por José Trajano, na ESPN?

Janio tem razão. Existem, sim, muitas fronteiras entre os jornalistas. A entidade só se chama “Jornalistas Sem Fronteiras” porque acredita que há valores que nos unem a todos, independentemente de países, de credos, de ideologias.

A mais intransponível de todas as fronteiras, no entanto, é a da decência. Ou a gente a tem ou nunca terá. Achei que a defesa oblíqua que Janio chegou a fazer de Henrique Pizzolato era o seu fundo do poço. Ele nos reservava outras surpresas: a defesa de listas negras de jornalistas dos quais ele discorda. Esses dois anos recentes deste senhor têm servido para que ele coloque nos justos termos toda uma vida profissional.

Parabéns, Janio! Nem todo mundo tem a coragem de corrigir a própria biografia! Faltava defender uma lista negra. Agora já não falta.

 

 

Concluindo.

Para entender melhor os labirintos tortuosos pelos quais passeiam as ideias de pessoas como Safatle e Janio de Freitas, deixo aqui algumas sugestões de artigos que podem ser esclarecedores:

VLADIMIR SAFATLE, UM TOTALITÁRIO QUE FAZ POSE DE LIBERTÁRIO. OU: QUEM ABRAÇA SUAS IDEIAS REJEITA A DEMOCRACIA.

QUANDO A PATRULHA IDEOLÓGICA COMPROMETE A LÓGICA.

A ESQUERDA E OS CAMINHOS QUE SE BIFURCAM.

COMO O MARXISMO ATRAPALHA A VISÃO (E A ÉTICA).

MACARTISMO ÀS AVESSAS

DEMOCRACIA DIRETA:BOA INTENÇÃO LIBERTÁRIA OU LIBERTICIDA?

“DEMOCRACIA SOCIALISTA”

ESQUERDA x DIREITA: A TEORIA DAS GAVETAS OU COMO NÃO CHAMAR URUBU DE “MEU LÔRO”.

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