Lindbergh Farias, no X (Twitter), produziu uma piada pronta ao celebrar mais um arroubo autoritário do demiurgo do STF: “URGENTE Alexandre de Moraes acaba de incluir Elon Musk no inquérito das milícias digitais. Aqui não é republiqueta de bananas, não!”

Ora, a censura e os arbítrios do imperador Xandão e do STF provam exatamente o oposto do que Lindbergh Farias afirma: somos de fato uma republiqueta de bananas. E há muita gente que celebra este fato.

Em Maio de 2023, quando circulava a autoritária ideia do Projeto de Lei 2630 (o tal Projeto das Fake News), publiquei artigo que propunha uma forma democrática e eficaz de resolver a questão, com apenas 3 pontos:

1- Acabar com o anonimato e perfis falsos nas redes sociais, atrelando cada usuário a um CPF devidamente válido, como em uma operação de crédito.

2- Estabelecer um valor de remuneração por direito autoral para qualquer uso que envolva lucro para quem está usando o trabalho de outro.

3- Tornar célere todos os processos por usurpação de direito autoral, bem como os processos por injúria, calúnia e difamação.

Partindo do pressuposto de que o objetivo seja realmente coibir notícias falsas e incitação à violência, bem como acabar com as violações de direito autoral, os três pontos acima resolvem bem a questão.

Quem defende o Projeto de Lei 2630 e a atuação de Alexandre de Moraes quer mais do que isso: quer poder definir o que é verdade, quer que exista uma verdade oficial em que opositores sejam silenciados pelo medo de ações de força do Estado.

Não por acaso todos os estados autocráticos regulam a internet. Não por acaso, as democracias resistem à implantação de um Ministério da Verdade ou a algum órgão público ou privado com poder de definir o que pode ou não ser dito, com poder de definir o que é ou não verdade.

Hoje, em meio ao imbróglio Elon Musk – Alexandre de Moraes, mais uma vez esta questão se torna evidente e urgente. E simultaneamente permite identificar rapidamente jornalistas que se tornaram meros militantes do arbítrio ao apoiarem acriticamente o arbítrio e as ilegalidades de Alexandre de Moraes. No X (Twitter), isso fica, ironicamente, ainda mais fácil de ser observado.

Mas a questão é ainda mais ampla. Reproduzo abaixo um Editorial do Estadão e um artigo de Diogo Schelp , também no Estadão, que dialogam de forma direta embora aparentemente tratem de duas questões distintas. Não são. Estão perigosamente (do ponto de vista da Democracia) imbricadas.

Fiquem com os artigos.

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CENSURA NO BRASIL, DENUNCIADA POR MUSK, CONTA COM INCENTIVO DE TODO O ESPECTRO POLÍTICO

Chegamos a esse ponto não por voluntarismo de juízes como Moraes, como faz crer o dono do X, mas porque a sanha por amordaçar adversários conta com a conivência e com o incentivo de protagonistas do debate público, não importa se direitistas, centristas ou esquerdistas

Por Diogo Schelp no Estadão 07/04/2024 | 20h00

“Por que você está exigindo tanta censura no Brasil?”, perguntou o bilionário Elon Musk, dono do X, antigo Twitter, a Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em uma postagem na própria plataforma.

Em seguida, Musk ameaçou reverter a suspensão de perfis banidos por decisões judiciais e, em última instância, fechar o escritório do X no Brasil. Entre outros, o advogado-geral da União, Jorge Messias (com “M”), reagiu furiosamente, aproveitando o episódio para defender a regulação das redes sociais.

A mais recente diatribe do ricaço sul-africano foi motivada pela divulgação, na semana passada, de um pacote de e-mails internos do Twitter revelando exigências e decisões ilegais por parte de autoridades brasileiras, em especial do TSE, que resultavam em invasão de privacidade, censura prévia e pesca probatória contra indivíduos por motivação política. Detalhe: foi o próprio Musk quem entregou os e-mails, que estão sendo chamados de “Arquivos do Twitter”, aos jornalistas que os divulgaram.

Os documentos detalham fatos já conhecidos que aconteceram entre 2020 e 2022, período anterior à compra do Twitter por Musk. Incluem discussões em torno de exigências para que a empresa fornecesse dados pessoais e até o conteúdo de mensagens privadas de contas da rede social, identificação de usuários que usaram determinadas hashtags na mira da Justiça Eleitoral, além de ordens para a suspensão de perfis.

Só quem teimou em se manter desinformado ou ficou cego pela ideologia não sabe que as eleições de 2022 ficaram marcadas por episódios de censura, sob a justificativa de combateras fake news.

Certos veículos foram proibidos de expor a amizade de Lula com ditadores latino-americanos e de usar determinadas palavras, como “descondenado”, para se referir a ele. Militantes e políticos bolsonaristas foram impedidos de usar as redes sociais, o que equivale a uma censura prévia — algo muito mais grave do que uma decisão posterior de remover conteúdos específicos. Impedir a expressão de um pensamento antes mesmo de ela acontecer fere de morte a democracia, pois impede o livre mercado de ideias políticas.

A censura está instalada na paisagem política do Brasil, nisso Musk tem razão. Porém, chegamos a esse ponto não por voluntarismo de juízes como Moraes, como faz crer o empresário, mas porque a sanha por amordaçar adversários conta com a conivência e com o incentivo de protagonistas do debate público de todo o espectro político. Não importa se são direitistas, centristas ou esquerdistas. No Brasil, políticos processam jornalistas, influenciadores processam políticos, jornalistas processam jornalistas, e assim por diante, a torto e a direito; basta se fazer de ofendido por qualquer crítica ou declaração desairosa.

O fenômeno da censura judicial ganhou força a partir de 2002, com a aprovação do novo Código Civil, que abriu brecha para a proibição preventiva de conteúdos que pudessem atingir a “honra, a boa fama ou a respeitabilidade” de alguém. Já os crimes contra a honra previstos no Código Penal são usados como vendeta e como estímulo à autocensura contra oponentes ideológicos. Para isso contribuem juízes de primeira instância totalmente despreparados para equilibrar direitos às vezes conflitantes como privacidade e honra, de um lado, e direito à informação e à livre expressão, do outro. Juízes que agora encontram em decisões censórias da cúpula do Judiciário um novo incentivo.

Esse é o contexto de estímulo à censura que levou um jornalista de esquerda a ser condenado pelo STF, em 2022, a pagar uma indenização exorbitante de 310.000 reais ao ministro Gilmar Mendes. É o contexto da perseguição política promovida pelo governo Bolsonaro, que colocou a Polícia Federal para investigar cidadãos com base na extinta Lei de Segurança Nacional pelo simples fato de terem criticado o então presidente. É o contexto do julgamento do STF do final do ano passado que criou jurisprudência para que veículos de comunicação sejam responsabilizados por aquilo que seus entrevistados dizem. É o contexto de decisões judiciais que proíbem a publicação de reportagens de notório interesse público. É o contexto que leva parlamentares a criar ou a defender um projeto de lei que criminaliza críticas a políticos, a membros do Judiciário e do Ministério Público e a seus parentes.

Se o ministro Alexandre de Moraes exige “tanta censura”, como alega Elon Musk, isso ocorre porque, ao longo das últimas décadas, políticos, jornalistas, influenciadores, acadêmicos e outros participantes do debate público no país recorreram à intimidação judicial para enfrentar acusações ou vencer discussões políticas. O problema não está confinado a este ou àquele campo político, mas reside em uma dificuldade estrutural de lidar com a liberdade de expressão.

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IMPOTÊNCIA REGIONAL MEDÍOCRE

Maduro legaliza a repressão doméstica e a agressão internacional, mas Lula, que não economiza hipérboles para tratar da Europa ou Oriente Médio, impõe um silêncio ensurdecedor ao Itamaraty

Por Notas & Informações

08/04/2024 | 03h00

Após castrar politicamente a oposição, impedindo a inscrição de seus candidatos para as eleições de julho, o ditador Nicolás Maduro deu o golpe de misericórdia no que restava da democracia venezuelana. O regime engendrou uma lei “Contra o Fascismo, Neofascismo e Expressões Similares”. Entre os traços distintivos do “fascismo” – além do “chauvinismo”, “classismo” ou “qualquer tipo de fobia contra o ser humano” – constam o “conservadorismo moral” e o “neoliberalismo”. Em resumo, “fascista” é todo aquele que o regime disser que é. Com isso, a ditadura chavista se deu carta branca para censurar de vez a imprensa e redes sociais, proibir reuniões e manifestações pacíficas e dissolver partidos políticos ou instituições da sociedade civil consideradas “fascistas” ou – para não deixar sombra de dúvida da arbitrariedade – “similares”.

Entre manifestações puníveis com mais de 8 anos de cadeia estão as que promovem “a violência como método de ação política”, “reproduzem a cultura do ódio”, “denigrem a democracia e suas instituições”, “promovem a suspensão de direitos e garantias” e “exaltam princípios, fatos, símbolos e métodos do fascismo”. A ironia é que, se houvesse Justiça independente na Venezuela, Maduro e seus bate-paus seriam os primeiros a ser punidos por esses crimes, a começar pelo último. Não há na América do Sul nada mais similar ao regime fascista de Mussolini que o regime chavista.

Como de hábito em regimes autoritários – vide a Rússia de Vladimir Putin –, a repressão interna retroalimenta a agressão externa e vice-versa. A perseguição de dissidentes é legitimada pela “lei” e impulsionada pela “ameaça à segurança nacional”. Como não havia nenhuma, Maduro a fabricou, ameaçando a Guiana. Pari passu à lei antifascismo, Maduro promulgou outra lei criando o Estado venezuelano da “Guiana Essequiba”, o que, em tese, significa anexar 70% do território guianense.

Não há surpresa em nada disso. O que surpreende é a inacreditável pusilanimidade do Brasil.

A condenação da comunidade internacional civilizada é unânime, inclusive de lideranças de esquerda latino-americanas. Todos os países do Mercosul, com exceção do Brasil, condenaram sem meias palavras a orgia totalitária chavista. O presidente chileno, Gabriel Boric, recriminou “a detenção arbitrária de representantes políticos da oposição”. O colombiano Gustavo Petro classificou como “golpe antidemocrático” a inabilitação da líder de oposição María Corina que o presidente Lula chancelou como um processo judicial perfeitamente limpo. O ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, ícone da esquerda latino-americana, vocalizou o veredicto final: “Isso não se pode chamar democracia”.

Já Lula rebaixou o Estado brasileiro a uma usina de panos quentes. No improviso de uma entrevista coletiva, Lula se descuidou de sua habitual hipocrisia deixando escapar que considera “grave” o bloqueio à candidatura da substituta de Corina, mas, oficialmente, o máximo que permitiu à sua chancelaria foi uma nota de “preocupação”. O resto é silêncio, mesmo ante a ameaça de um conflito regional.

O Brasil mediou em São Vicente e Granadinas um acordo entre a Venezuela e a Guiana em que ambos os países se comprometiam a manter o diálogo diplomático “sem provocações”. É mais um pacto que Maduro manda pelos ares. No Itamaraty, silêncio obsequioso. Sem qualquer laivo de reprovação, o chanceler paralelo de Lula, Celso Amorim, prometeu “reforçar o diálogo” com Maduro.

A esfera de influência do Brasil não é o Leste Europeu ou o Oriente Médio. Mas, para conflitos nessas regiões, a indignação de Lula atinge estratosferas hiperbólicas. Já quando a ameaça se ergue do outro lado de suas fronteiras, nem meia palavra de recriminação, só frases inteiras de contemporização. Sequestrada pelas afinidades pessoais e ideológicas de Lula, a política externa nacional é desmoralizada ante a comunidade internacional e o capital diplomático brasileiro é dilapidado a olhos vistos. E assim o Brasil, uma potência regional média, é reduzido, contra seus mais elementares interesses, a uma impotência medíocre.