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Às vezes é difícil saber onde termina a ignorância e começa a má-fé de certos profissionais. O caso da recente matéria do jornal O Globo intitulada FOME VOLTA A ASSOMBRAR FAMÍLIAS BRASILEIRAS é um caso que merece ser analisado.

A jornalista Diane Costa, que assina a matéria, faz um recorte da realidade que já começa desinformando o leitor. O título induz à conclusão de que o responsável pelo retrocesso é o atual governo, quando o próprio texto da matéria, mesmo contra sua vontade, permite compreender que o principal responsável foi o governo Dilma. Um bom profissional, que respeitasse seus leitores, deveria ter feito um título mais ou menos assim: RECESSÃO PROVOCADA PELOS ERROS DO GOVERNO DILMA AMEAÇA RECOLOCAR O BRASIL NO MAPA DA FOME.

Mas apesar do esforço de Diane Costa em tapar o sol com a peneira, com um pouco de atenção e bom senso é possível perceber o engodo. Vamos analisar alguns trechos.

“Três anos depois de o Brasil sair do mapa mundial da fome da ONU — o que significa ter menos de 5% da população sem se alimentar o suficiente —, o velho fantasma volta a assombrar famílias como a de Maria de Fátima. O alerta, endossado por especialistas ouvidos pelo GLOBO, é de relatório produzido por um grupo de mais de 40 entidades da sociedade civil, que monitora o cumprimento de um plano de ação com objetivos de desenvolvimento sustentável acordado entre os Estados-membros da ONU, a chamada Agenda 2030. O documento será entregue às Nações Unidas na semana que vem, durante a reunião do Conselho Econômico e Social, em Nova York”.

(Comentário meu: Aqui já fica a pauta da próxima “denúncia”, quando o relatório for apresentado à ONU e esta matéria for requentada. Além disso, temos aquele tom pomposo sobre a fome, como se fossem resultado de pura maldade e não de estupidez e má gestão).

 

“Os três integram a estatística recorde de 14 milhões de desempregados, resultado da recessão iniciada no fim de 2014. Pesam ainda a crise fiscal, que tem levado União, estados e municípios a fazerem cortes em programas e políticas de proteção social, e a turbulência política.

(Comentário meu: É uma graça como, para a jornalista Diane Costa, a recessão não tem mãe ou pai, não tem dono. É uma coisa assim natural como a tempestade de verão, apesar da recessão ter sido prevista e antecipada em relatórios independentes durante parte do governo Lula e todo o Governo Dilma por todo mundo que entende ao menos o básico de economia – lembra de Sinara Polycarpo Figueiredo, analista do Santander, demitida por estar certa na campanha de 2014? Só os adeptos da contabilidade criativa e do realismo mágico viam virtude onde havia apenas ignorância arrogante).

 

“Quando o país atingiu um índice de pleno emprego, na primeira metade desta década, mesmo os que estavam em situação de pobreza passaram a dispor de empregos formais ou informais, o que melhorou a capacidade de acesso aos alimentos. A exclusão de famílias do Bolsa Família, iniciada ano passado, e a redução do valor investido no Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), que compra do pequeno agricultor e distribui a hospitais, escolas públicas e presídios, são uma vergonha para um país que trilhava avanços que o colocava como referência em todo o mundo — afirma Francisco Menezes, coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e consultor da ActionAid, que participaram da elaboração do relatório.”

(Comentário meu: A fala do professor Francisco Menezes está editada e pode ser que ele, em algum momento, lamente também o desastre gerencial do Governo Dilma, que acarretou a crise atual, agravada pela crise política de dimensões inauditas. Tomando como base apenas o que foi publicado, estamos mais uma vez diante de alguém que não consegue entender a relação entre o sexo e o parto).

Como a matéria foi bastante compartilhada nas redes sociais, principalmente pela esquerda, claro, é importante retomar algumas questões básicas.

Se você é a favor de benefícios sociais como o Bolsa Família e o citado Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar, é preciso ser a favor também da responsabilidade fiscal. É esta última quem assegura a sustentabilidade dos programas sociais. A economia exige disciplina e perspectiva. Como já expliquei em outro artigo:

“Quando o Plano Real foi implantado para vencer a hiperinflação, algumas ações complementares fundamentais e menos badaladas foram realizadas, como a proibição de bancos municipais ou estaduais financiarem seus próprios governos, a renegociação das dívidas de estados e municípios e a introdução da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Naquele momento, as administrações estaduais e municipais apostavam no contínuo aumento da dívida e gastavam como se não houvesse amanhã. Era, literalmente, uma insanidade. Muitos estados já estavam tecnicamente quebrados.

O chamado Plano Real foi, assim, um grande esforço para criar parâmetros de racionalidade no uso do dinheiro público, que é finito e não é (ou não deveria ser) de quem chegar primeiro, nem de quem gritar mais alto ou de quem pagar a maior comissão.

Os resultados foram excelentes, apesar dos protestos dos personagens de sempre. Além de conseguir acabar com o “confisco inflacionário” (que chegou a 48% ao mês), algo perverso, que empobrece o trabalhador, ainda permitiu iniciar uma valorização do salário mínimo, algo de imenso impacto na economia Brasileira. Nos oito anos de governo FHC o salário mínimo teve valorização real (descontada a inflação, pelo IPCA), de 85,04%. Para efeito de comparação, nos mesmos oito anos de Lula o aumento foi de 98,32%, conta 17,54% nos 5 anos de Dilma.

Visto em perspectiva, foi o Plano Real, como seu conjunto de ações voltadas para a redução dos gastos públicos e para a responsabilidade fiscal que criou as bases de várias políticas públicas importantes, como a universalização da educação básica, a elevação do salário mínimo, o controle da inflação e as políticas de bolsas unificadas posteriormente no Bolsa Família.

Esta racionalidade foi razoavelmente mantida no primeiro mandato de Lula, que fez um bom governo até 2008, quando entrou em cena a contabilidade criativa e o abandono sistemático da transparência das contas públicas, do controle da inflação e da dívida pública.

(…) “Ainda hoje, com tantas evidências saltitando diante dos olhos, muita gente, muitos políticos, jornalistas e até economistas não conseguem entender a relação de causa e efeito que existe entre as escolhas de Lula e Dilma pós 2008 e o desastre em que mergulhou a economia pública e privada no Brasil. Isto é grave na medida em que significa não aprenderam nada com os erros próprios e alheios. E que, se tiverem a chance, vão chutar o balde novamente e viveremos um novo desastre”.  

Pense nisso e desconfie muito de qualquer pessoa que não reconheça a necessidade e a virtude da responsabilidade fiscal. Bravatas e fantasias revolucionárias nunca terminam bem, como é fácil observar no Brasil, na Argentina e na Venezuela, para citar casos bem conhecidos.

Artigo de Paulo Falcão.