médicos cubanos

Bolsonaro precisa aprender muita coisa. Uma delas é pensar antes de falar para não cair em armadilhas evidentes.

No episódio dos médicos cubanos, no entanto, podemos dizer que, do ponto de vista prático, errou, mas do ponto de vista ético acertou.

O presidente eleito fez três exigências das quais é preciso um tanto de má-fé para discordar:

  1. Que os médicos cubanos fizessem o Revalida, o que atestaria que de fato possuem a formação necessária para o exercício da medicina no Brasil.
  2. Que os médicos cubanos recebessem a integralidade de seus salários, e não apenas 25% como atualmente (os 75% restantes vão para o governo cubano).
  3. Que os médicos tivessem liberdade para trazer suas famílias.

A simpatia evidente da maioria dos jornalistas por Cuba e a antipatia por Bolsonaro fez com que criticassem fortemente tais exigências e tratassem a recusa de Cuba em aceitá-las como um gesto de orgulho cívico. Colocaram a ideologia no lugar da ética.

Ora, dizer que Cuba não aceitou as exigências de Bolsonaro por orgulho ou algo semelhante é ingenuidade ou desonestidade. Não aceitou porque os médicos cubanos são fonte de renda para eles, são produtos de exportação. Serão realocados para outro país que lhes repasse os 75% dos salários dos médicos.

Como disse inicialmente, do ponto de vista prático, da Realpolitik, Bolsonaro ao menos deveria ter deixado este assunto para outra hora, afinal foi uma forma que o PT encontrou de resolver 2 problemas importantes:

  1. Conseguir profissionais para áreas que médicos brasileiros não queriam atender pelo salário oferecido.
  2. Contratar profissionais que “não criam vínculo empregatício de qualquer natureza”, como podemos ler no Art. 11 da Medida Provisória 621 de 2013 que criou o Mais Médicos. Isto significa que não têm direito a aposentadoria, férias e demais benefícios trabalhistas. Custam, assim, metade ou menos que um médico brasileiro que receba o mesmo salário.

Omitir-se significaria a continuidade do serviço dos 8,5 mil médicos cubanos e a economia mensal de, no mínimo, R$ 97.920.000,00 (noventa e sete milhões novecentos e vinte mil reais) em encargos trabalhistas a que igual quantidade de médicos brasileiros terão direito.

Para Cuba, significaria a continuidade de uma renda mensal de aproximadamente R$ 72.420.000,00 (setenta e dois milhões quatrocentos e vinte mil reais).

No entanto, do ponto de vista moral, seria uma concessão ao famoso “jeitinho brasileiro” que frequentemente transforma desonestidade em virtude.

Seria compactuar com uma opressão evidente.

Se os médicos Cubanos fossem cidadãos livres, poderiam concordar em fazer o Revalida, única exigência real. As outras duas são, evidentemente, benefícios, além de inserirem-se claramente no rol de Direitos Humanos.

Mas eles não são cidadãos livres. Voltarão para casa com medo de que suas famílias, que continuam reféns na ilha, sofram represarias.

Em 2017 foram abertos na justiça brasileira pelo menos 154 ações por 194 médicos de Cuba reivindicando permanecer no país e receber o valor integral do salário.

Talvez, se Bolsonaro oferecesse aos médicos cubanos o direito de ficar no Brasil, com o salário integral, sem passar pelo Revalida, muitos outros decidissem ficar, apesar dos riscos para seus familiares em Cuba.

Não é assunto fácil, mas do ponto de vista ético, a exigência de Bolsonaro é correta, apesar de prematura. Deveria ter construído uma alternativa viável antes de comprar esta briga.

 

Artigo de Paulo Falcão.