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Fernando Nogueira da Costa publicou hoje em seu blog Cidadania & Cultura um artigo que revela de forma insofismável o quanto questões ideológicas podem obscurecer a visão e o senso crítico. De certa maneira ele é mais um que se encaixa no perfil dos intelectuais que indiquei no artigo anterior a quem o senso de ridículo já não socorre.

Ao ler o artigo fiz o comentário abaixo que ficou aguardando moderação e foi descartado sem ser publicado. É algo que revela outra característica sua, o autoritarismo, o pouco apreço à crítica civilizada ou à liberdade de expressão.

Tal fato me levou a reproduzir aqui o comentário que enviei e o artigo que o motivou.

COMENTÁRIO QUE ENVIEI E QUE FOI CENSURADO

Fernado, já reproduzi artigos seus e li muitos com prazer, mas neste você está irreconhecível.

Raramente vi uma coleção tão grande de preconceitos. Em seus textos, nunca.

A foto escolhida para ilustrar o post é um péssimo começo, já que estes idiotas defendendo intervenção militar são irrelevantes quantitativamente e qualitativamente. Inclusive foram formalmente convidados a não comparecer à grande manifestação de 13 de março.

Depois vem esta tentativa de humor grosseiro contra aqueles que chama de coxinhas e de reacionários, formulando justificativas que destilam o mesmo tipo de futilidade de que você os acusa.

Mas o pior foi a correção da tese sobre a origem do termo “coxinhas” feita por seu filho e narrada com naturalidade graciosa e orgulhosa. Pois bem. Releia. Chame seu filho para ouvir com você a música Haiti de Gil e Caetano, prestando atenção especial nos versos que dizem:
“Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados”

O comentário de seu filho não é incomum, como ele próprio reconhece. É típico das pessoas da Casa Grande que frequentam a USP e a UNICAMP e que defendem direitos genéricos para os pobres distantes e afrontam sempre que podem os pretos e quase pretos que os servem. Ao contrário do venerável cardeal da mesma canção que vê tanto espírito no feto e nenhum no marginal, você e seu filho vêm muito espírito nos marginais que estão no poder e nenhum no simples policial que os serve.

Vou me abster de criticar sua defesa deste governo. Penso que a cegueira moral que comentei acima seja suficiente para entender o caminho que escolheu.

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Meu comentário foi este. Segue o trecho do artigo que o motivou. Volto no final porque o negócio esquentou.

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pelo-fim-da-democracia
Por que os golpistas são denominados “coxinhas”?
Por Fernando Nogueira da Costa
Depois de longa e profunda pesquisa, descobri em conversa com meu filho porque os “reaças” brasileiros são denominados de “coxinhas” pelos democratas. Falseou minha hipótese, aliás, como é praxe na boa ciência. Eu imaginava que os “coxinhas” eram uma referência aos seus corpos com muito músculo e pouco cérebro. Visivelmente, são pessoas que se produzem nas academias de aeróbicas ao som de bate-estaca e/ou em salões de beleza à luz da leitura das revistas Veja, Caras e outras da mesma espécie direitista.

Com tanto estudo e profundidade de análise só poderiam ser violentas e rancorosas com quem não entendem as ideias. Antes, tinham vergonha de demonstrar a selvageria de seus instintos primários, dada a repulsa social aos vinte anos de ditadura militar, perseguições políticas, cassações, aposentadorias forçadas, exílios, torturas e assassinatos cometidos pelos direitistas brasileiros. Porém, nas manifestações de junho de 2013, quando alguns fascistas infiltraram-se e rasgaram a dentadas as bandeiras vermelhas, usurpando o lugar de partidos políticos na organização ou liderança dos manifestantes, perderam a vergonha e saíram do armário!

Aí, passaram a ler gente do calibre de Reinaldo Azevedo, Olavo Carvalho, um tal de Constantino (filhote jeunesse dorée dos tucanos da Gávea no Rio de Janeiro), entre outros fascistóides com que a grande (sic) mídia brasileira resolveu “se oxigenar” para voltar a agir como PIG (Partido da Imprensa Golpista), aliás, como agia entre 1964 e 1984. Suas mulheres obesas passaram a bater panelas vazias para demonstrar seu rancor contra as pessoas educadas, inteligentes e cultas.

Elas passaram a se produzir com camisetas amarelas (envergonhadas do 7X1 e da CBF) para dar um “rolê” com as amigas em passeata de domingo. As envelhecidas vão enlourecidas, as morenas envergonhadas fazem chapinha, e todas usam muita maquiagem e óculos escuros para esconder a (falta-de-vergonha na) cara. A violência verbal e física salientou-se mais do que qualquer ideia liberal de tolerância em suas manifestações financiadas por associações patronais e convocadas por sites de “jovens empresários neoliberais”, ou seja, os sem-empresas.

O perfil de elite econômica inculta é saliente: 63% ganham mais de 5 salários mínimos (contra 5% na sociedade brasileira), 77% se declaram “brancos” com curso superior (sic), 73% mais de 36 anos, 94% se dizem apartidários. Um ex-governador de São Paulo denominou essa gente intolerante com a mobilidade social do “andar de baixo” de “elite branca”. É composta dos paulistanos que se acham superior ao “resto”.

Mas, enfim, por que são chamados de “coxinhas”? É porque assim são denominados os policiais do governador tucano que batem em estudantes no campus da USP. Sem dinheiro para se alimentar bem, eles comem apenas “coxinhas” nos botequins. E então descontam sua fome e rancor batendo no que acham ser “filhinhos-de-papai-rico”. Essa frustração face à inteligência alheia é compensada com a violência manifesta. (…)

Link para o artigo na íntegra: https://wordpress.com/read/feeds/317610/posts/975919021

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RETOMO COM UM FATO NOVO.

Hoje, 28 de março de 2016, depois de ter excluído meu comentário, não sei se pela repercussão deste artigo, Fernando Nogueira da Costa o reabilitou e respondeu. Assim, seguem suas respostas e as minhas.

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RESPOSTA DE FERNANDO

Prezado Paulo Falcão,
reconheço que é um post ou “artigo-de-combate” para destilar raiva, portanto, irracional em alguns comentários maliciosos iniciais. Porém, a parte sobre os valores culturais e/ou ethos das castas acho que se sustenta.

Tem sido extremamente difícil ler cotidianamente o monte de bobagens e preconceitos expressos pelos golpistas. Aumentou muito minha misantropia e isto turva o bom senso.
Quanto à foto, é fato. E constitui uma prova relevante desse ethos dos guerreiros-militares defendido entre os manifestantes contra a democracia eleitoral.

Quanto à origem do termo “coxinha”, você poderia me dizer qual é? Eu achei essa explicação. Se você tiver outra hipótese, apresente.

A música sobre “capitães-do-mato” (negros caçadores de negros em fuga) não se relaciona com o caso. A explicação de “apenas comer coxinha” é uma crítica à má remuneração dos policiais.

Quanto a preconceitos, você destila o seu ao dizer: “É típico das pessoas da Casa Grande que frequentam a USP e a UNICAMP e que defendem direitos genéricos para os pobres distantes e afrontam sempre que podem os pretos e quase pretos que os servem”.
Esse tipo de rancor com a inteligência alheia que eu cito no meu post. Vestibular busca selecionar os melhores, fora as cotas de uma política afirmativa para “igualdade de oportunidades”. Ela foi justamente adotada durante os governos social-desenvolvimentistas após 2003. Se você não conseguiu estudar nessas Universidades de excelência gratuitas não fique rancoroso com quem lá estuda ou estudou. Certamente, devido à boa formação sobre direitos da cidadania que lá recebem, não se comportam como você imagina. Sugiro você visitá-las e conversar com seus alunos para rever seus preconceitos.

Se “vestir-a-carapuça” não obstruísse suas ideias, veria que defendo a democracia eleitoral neste post. Não há nenhuma defesa do governo em si, mas sim do direito de mandato se não há crime de responsabilidade provado. É risível considerar “pedaladas fiscais” (gestão de fluxos de caixa que se fez em todos os governos brasileiros) como tal. Demonstra a total falta de argumento e, por isso, a apelação para a violência.
att.

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MINHA RÉPLICA

Fernando, desta vez ficou mais claro: além de tirar conclusões com o fígado, seu apreço à fábula do “Golpe” está lhe causando um sério problema com a hermenêutica.

Antes de explicar porquê, para evitar novas conclusões equivocadas e este seu tom condoreiro, quero deixar claro que não tenho nenhum rancor contra quem estuda na USP, UNICAMP ou outras universidades públicas. Tenho filho estudando lá também. Tenho sobrinhos. Tenho amigos. Eu mesmo fiz lá um curso como ouvinte, logo que me graduei na FAAP, de Análise Estrutural da Narrativa, com o professor Edward Lopes, em uma turma de doutorado. Não tive qualquer dificuldade. Estava no mesmo nível dos demais alunos que já tinham feito mestrado. Inclusive apresentei trabalho bem avaliado de conclusão de curso. Esclarecido este ponto, sigamos.

Sobre sua tímida defesa da meritocracia, seguida de uma defesa das cotas como política compensatória, digo apenas que sou contra as cotas que apenas produzem estatísticas e nenhum conhecimento. Se quiser conhecer minha opinião sobre o assunto deixo aqui o link para um artigo que escrevi sobre o tema chamado A MERITOCRACIA E SEU OPOSTO ( http://wp.me/p4alqY-eo ). Se o ler vai observar que também posso me irritar e ser deselegante, mas no meu caso o objeto da crítica é uma posição majoritária e estúpida. O objeto de sua fúria é uma posição igualmente estúpida, mas minoritária.

Sobre a origem de termo “coxinha” para os policiais, sim, é fato que na USP e fora da USP muita gente chama os policiais de coxinhas. A coisa começou porque esta população estudantil que não precisa trabalhar passa boa parte do tempo em botecos, conversando e tomando cerveja. Com o tempo observaram que em alguns horários os policiais passavam e comiam coxinhas, muitas vezes oferecidas gratuitamente pelos donos dos estabelecimentos. Quando os policiais entravam ou saíam, sempre tinha (tem) um gaiato que dizia (diz) “lá vem os coxinhas” ou “lá vão os coxinhas”. Faziam e fazem isto para provocar, para agredir, certos que sua situação social lhes dá imunidade contra estes “quase todos pretos de tão pobres”.

É neste ponto que volto a seu problema de hermenêutica. A música de Gil e Caetano não é uma crítica ao “capitão do mato”, mas a quem observa a cena da sacada, ou seja, a nós, eu, você, seu filho, meu filho, que tivemos as oportunidades que lhes faltou. A música não nega humanidade aos soldados, ao contrário do que fazem você e seu filho, dando porradas metafóricas e impunes na nuca e no amor próprio deles, com galhardia e superioridade. É a insensibilidade que faz de vocês representantes da Casa Grande, não a origem ou as oportunidades.

Por último, vem sua afirmação de que não faz nenhuma defesa do governo em si, mas sim do direito de mandato já que não há crime de responsabilidade provado. Bem, para usar sua expressão, é risível ver um economista não saber que as pedaladas fiscais de Dilma não foram de horas ou dias, como é comum. Foram de meses. Há casos em que a Caixa Econômica processou o governo para receber o que havia adiantado. E há uma condenação por unanimidade no TCU.

Quando escreveu seu artigo também já era conhecida da gravação em que Dilma e Lula tramam explícita obstrução à justiça e que faz parte de novos pedidos de impeachment apresentados. Insistir falando em “Golpe”, nesta altura do campeonato, só é moralmente razoável a quem se opôs ao impeachment de Collor. Os demais estão a trabalho ou com falta de senso de ridículo.

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NOVA RESPOSTA DO FERNANDO

Prezado Paulo Falcão,
quanto ao “tom condoreiro”, a escolha da leitura é sua.

Quanto à posição estúpida, pelo que entendi, você escolheu a sua por ser majoritária.

Quanto ao dilema entre meritocracia e igualdade de oportunidades, a política de cotas é uma tentativa de conciliação, insuficiente, mas necessária. Colocou o problema em discussão e prática pela primeira vez no País.

Quanto à origem do termo “coxinha”, você confirma a informação recebida por mim de meu filho. Todo o resto é um problema social e psicológico não resolvido em sua mente que atribui a outros que desconhece pessoalmente.

Quanto à ladainha golpista, verifique se você não está apenas praticando a hermenêutica com falsa interpretação dos textos, isto é, do sentido das palavras. Este autoengano é perceptível de fora quando atribui a outros o que incomoda em ti.
att.

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MINHA TRÉPLICA

O mínimo que se pode dizer aqui é que divergimos do sentido real das palavras. Quem nos ler que avalie de que lado está a razão.