Não é a primeira vez que a realidade nos atropela e deixa claro que o hábito brasileiro de empurrar os problemas com a barriga ao invés de enfrenta-los é um vício, não uma virtude. Há inclusive uma música do Chico Buarque, de 1987, chamada Derradeira Estação, que funciona como trilha sonora perfeita aqui.
Como lembrei em outro artigo, no caso da criminalidade no Rio de Janeiro, não há como negar que a deterioração da segurança pública no estado teve grande impulso com a eleição de Leonel Brizola como Governador em 1982. Foi dele a decisão de não coibir o crescimento das favelas no Rio, em nome do “respeito e valorização dos trabalhadores”, como foi dele a decisão de proibir qualquer tipo de incursão policial nas favelas, entregando seu controle ao crime organizado.
O “Estado Paralelo” que domina hoje estas regiões, com milícias e crime organizado, é apenas a consequência natural deste pensamento torto.
O Estado deve ser mínimo, não ausente. E por estado mínimo, os liberais entendem aquele que se ocupa prioritariamente de saúde, educação, segurança pública e serviços essenciais.
O texto abaixo, publicado por Bruno Mega em seu Facebook, a partir do recente desabamento de dois prédios na comunidade da Muzema, na Zona Oeste do Rio, traz um raio-X sucinto do que está por trás da tragédia.
A proximidade do clã Bolsonaro com milicianos é um desalento para quem deseja reverter este quadro, mas não há como negar que o projeto de lei apresentado por Sérgio Moro, com aval de Bolsonaro, se aprovado, tem ferramentas efetivas para este combate, no Rio e em todo Brasil.
É preciso lutarmos com todas as armas cívicas disponíveis para que prevaleça o novo projeto de lei e não o passado sombrio.
Isto significa que você tem que se interessar mais por política, pesquisar sobre os congressistas e o projeto, entender o que está sendo proposto e deixar claro como deseja que o congresso vote.
Sem transformar indignação em ações concretas, nada muda.
Fiquem com o texto de Bruno Mega.
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Essa semana que passou muita gente, principalmente quem não mora no Rio, ficou surpresa em saber que existem pessoas que compram imóveis sem registro, sem habite-se, em locais invadidos e pagam para pessoas que não se sabe ao certo quem são e que inclusive fazem financiamento para pagamento a prestação.
Ficou horrorizado?
Pois é muito pior… O Rio de Janeiro das comunidades, das favelas e da maioria das regiões nas zonas norte, oeste e baixada é totalmente controlado por um “Estado Paralelo” que há décadas define suas próprias leis, sua própria “justiça”, suas regras e “códigos de conduta” e até mesmo seus mercados. Esse é o resultado de décadas e décadas de governos corruptos e criminosos.
Algumas regiões cortaram fornecimento de gás encanado e não deixam a companhia de gás entrar para resolver pois eles obrigam os moradores a comprar gás de botijão nas lojinhas da milícia.
Os fiscais da Prefeitura não entram. Não conseguem embargar a obra. E quando fazem uma operação gigante com centenas de policiais para garantir a entrada dos fiscais, vem um juiz de plantão conceder liminar para garantir a execução da obra clandestina.
É surreal.
A milícia e o tráfico de drogas disputam áreas estratégicas. Mercados, poder e dinheiro. É o gás, é a TV a cabo, é a luz, a água, a cerveja, o mercado, a carne e o carvão do churrasco, lazer, bailes… praticamente tudo que o cidadão consome em sua rotina diária tem dono, tem controle.
O domínio da construção civil em áreas invadidas, áreas de reserva ambiental, por parte de grupos de milícia já foi amplamente denunciado. Aqui mesmo na minha timeline, a coisa de um ou dois anos atrás, compartilhei denúncias de ambientalistas sobre essas mesmas invasões, grilagem e ocupações ilegais.
Pois bem…
Até o voto eles controlam. E aqui é uma das minhas maiores preocupações.
Já há alguns anos esses criminosos perceberam que a vida deles fica muito mais fácil colocando gente deles na política.
Experimenta você querer ser candidato a vereador na região deles sem ser você um integrante do “sistema”. Eles te matam. Não é metáfora. Quantos e quantos pré candidatos morreram assassinados nos anos de eleição?
Não se iluda. Não existe uma única comunidade no Rio que você não entre sem antes ter que pedir a bênção para alguém que controla a área, seja milícia, traficante ou contraventor.
Aliás, quando acusam o Novo de ser um “partido da zona sul” que tem dificuldades em divulgar sua mensagem para as classes mais baixas, uma boa parte dessa “dificuldade” reside justamente no fato de que não temos “acordos” e nem “fechamentos” com quem quer que seja desse mundo paralelo.
Sim, já tivemos candidatos fazendo panfletagem em locais assim. E já fomos expulsos por gente esquisita com mensagens altamente ameaçadoras. Nesses locais apenas campanha dos candidatos deles é permitida. Cada poste da rua, cada escaninho de caixa de correio, cada ponto de van, cada mercadinho, tudo tem propaganda de um grupo seleto de candidatos aprovados pelos donos da área.
Essas pessoas chegam ao poder. Viram vereadores, deputados… assessores, cargos comissionados na administração pública, participam de comissões parlamentares que tomam decisões importantes… compram juízes, desembargadores… polícia.
O desabamento dos prédios na Muzema é apenas a radiografia de uma doença que há tempos corrói por dentro todos os alicerces que sustentam a sociedade carioca.
Estamos demolidos por dentro.
Faz tempo.
RETOMO PARA CONCLUIR
O artigo abaixo tem uma breve reflexão e links para dois vídeos que me parecem cada vez mais atuais e fundamentais. Fica o convite.
DEMÉTRIO MAGNOLI NO PAÍS DA DELICADEZA PERDIDA.
O RIO DE JOELHOS PARA O CRIME
Deslinde do caso Marielle Franco expôs um Estado carcomido, indissociável do crime organizado por sua captura por agentes públicos que deveriam zelar pelo bem da sociedade, e não traí-la.
Por Notas & Informações
26/03/2024 | 03h00
O País agora sabe, após uma angustiante espera de mais de seis anos, sobre quem, afinal, recai a gravíssima suspeita de ter ordenado a morte da vereadora carioca Marielle Franco e por qual motivo. O que foi anunciado oficialmente pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, na tarde do domingo passado, é simplesmente assustador. Revelou-se um Estado a serviço do crime organizado. Ou uma organização criminosa que sequestrou o Estado para a consecução de seus objetivos espúrios.
A Polícia Federal (PF), informou o ministro, concluiu que os “idealizadores” do crime foram o deputado federal Chiquinho Brazão (União-RJ) e seu irmão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) Domingos Brazão. O “planejador”, ainda segundo a PF, foi o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil fluminense, ninguém menos que o principal responsável pela investigação do caso na esfera estadual – âmbito apropriado, em condições normais, para a condução do inquérito à luz da Constituição.
O deslinde do caso Marielle expôs o Rio como um Estado carcomido em sua estrutura por um consórcio delinquente formado por políticos de variadas afiliações, policiais civis e militares e, claro, milicianos. Tal é o grau de penetração desses criminosos no aparato estatal que, hoje, é impossível dissociar a política no Estado dos interesses econômicos das próprias organizações criminosas, que operam como uma verdadeira máfia. O que se viu, agora com contornos mais nítidos, é um Rio sequestrado por agentes públicos que deveriam zelar pelo bem da sociedade, e não traí-la.
O fato de uma parlamentar ter sido brutalmente assassinada em pleno exercício do mandato – em atentado que também matou seu motorista, Anderson Gomes, e feriu sua assessora, Fernanda Chaves – já era chocante por si só. Mas, como se isso não bastasse, ao longo das quase 500 páginas do relatório final da PF, desfiou-se uma teia criminosa que se espraiou por múltiplas esferas da política no Estado do Rio. Ao que tudo indica, Marielle e Anderson foram vítimas circunstanciais de um grupo político associado a policiais e milicianos que pretendia demonstrar, sem qualquer sutileza, que fim estaria reservado a todos os que ousassem atravessar seu caminho.
A PF foi clara ao afirmar que a elucidação da morte da vereadora Marielle Franco pode ser o ponto de partida para a conclusão de uma série de outras investigações sobre o submundo da política no Rio. Como muito bem destacou a pesquisadora Joana Monteiro, coordenadora do Centro de Ciência Aplicada à Segurança da FGV-RJ, é preciso “parar de dizer que o crime organizado é um poder paralelo” no Estado. De fato, a política fluminense, salvo honrosas e corajosas exceções, parece estar umbilicalmente ligada aos interesses das milícias, que, como se viu pelas investigações da PF, extrapolaram as fronteiras do Estado e já se fazem representar até mesmo no Congresso Nacional.
Nesse sentido, e até pelo histórico de suspeitas que já recaíam sobre os irmãos Brazão, não chega a ser surpreendente a implicação de ambos no caso Marielle. Já a participação direta do delegado Rivaldo Barbosa, como indica a PF, no “planejamento” da ação levada a cabo pelos executores Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, ao contrário, é um choque. Não só pela frieza de Barbosa, que chegou a consolar a família de Marielle poucas horas após seu assassinato, mas, principalmente, por se tratar, à época dos fatos, do principal servidor público com a missão de livrar a sociedade da mesma organização criminosa da qual ele ora é suspeito de pertencer.
A serem comprovados os indícios de autoria e materialidade apresentados contra ele pela PF, o delegado Rivaldo Barbosa teria colocado a Polícia Civil do Rio à disposição de milicianos, bicheiros e políticos dispostos a pagar caro por sua deliberada omissão funcional, deixando a sociedade fluminense à mercê de seus piores algozes. Caríssimo, portanto, deve ser o preço a ser pago agora por cada um desses traidores do múnus público.
https://www.estadao.com.br/opiniao/o-rio-de-joelhos-para-o-crime/
Me de noticia das escolas em tempo integral feitas por Brisola …….
Os CIEPS foram um grande acerto do Brizola, mas isto não transforma o que fez de errado em certo. As consequência daquela decisão foram trágicas.
Tropa de Elite 2 foi o filme mais visto nos cinemas brasileiros, e fala exatamente dessa questão. Ilustra didaticamente e de maneira palatável, por falta de palavra melhor, o que se tornou o Rio nos últimos anos.
Acaba com o heroísmo que o filme anterior atribuiu, por acidente, ao BOPE, e aponta o horror da normalidade que virou a violência na capital fluminense.
O brasileiro resolveu ignorar o problema.
Nas ruas de várias cidades, policiais se elegeram como deputados apoiando Bolsonaro com versões da música tema do filme, que é um protesto claro contra a violência e falta de fiscalização policial.
Não existe mais solução no curto e médio prazo, este brasileiro que nós temos aqui não tem a capacidade de analisar, criticar e se organizar contra a situação.
A herança do PT é de alunos entrando em universidades e precisando de aula de português. De adultos formados, com direitos formais declarados, que têm a mesma capacidade de análise do problema que uma criança maniqueísta e burra.
A única solução para o Brasil é colocar todo o dinheiro que aparecer na educação de base e torcer que não se confunda diploma com formação. Então, daqui 20 anos, talvez consigamos tentar novamente…
Brizola não proibiu a incursão da polícia nos morros cariocas, o que ele proibiu foi que a polícia corrupta do Rio, já desde a ditadura, não ficasse metendo o pé na porta das casas dos trabalhadores decentes e fizesse vista grossa para criminosos que defendiam os partidos burgueses nos morros. Este texto tem a ótica burguesa de análise e como agora que o PT esteve 13 anos no poder e esquecem dos 506 anos de domínio monárquico e da burguesia republicana.
A revista Piauí publicou uma longa e interessante matéria sobre isto. Reproduzo a matéria com alguns complementos no artigo abaixo:
Você está pregando no deserto. As pessoas gostam de reclamar, de se sentirem indignadas, mas quase ninguém está disposto a fazer nada para mudar coisa nenhuma. Atualmente pensam que textão no fecebook é mais que suficiente. É o retrato de um país em que o presidente governa pelo Twitter.
Concordo com sua análise e, às vezes, com seu desânimo. Mas fomentar reflexões sobre estas questões aumenta as chances de que haja alguma mobilização efetiva. A alternativa é a omissão.