Está em curso no Brasil uma operação “livra corrupto” e outra, simultânea, de “caça à lava-jato”. Executivo, legislativo e as altas esferas do judiciário atuam nesse sentido cada vez com mais desenvoltura. Alguns de seus membros não manifestam absolutamente nenhum pingo de vergonha em destruir o legado de um trabalho que já recuperou mais de 4 bilhões de reais e conseguiu acordos que elevam esse número para 11,9 bilhões.

Não estamos falando aqui de um dinheiro abstrato, estamos falando de dinheiro que foi saqueado dos cofres públicos através de corrupção ativa e passiva. É dinheiro que deveria ser investido em educação e saúde, por exemplo, mas foi para o bolso de ladrões de colarinho branco.

Sim, é verdade que houve comunicação indevida entre o então juiz Sérgio Moro e os procuradores que conduziam as investigações da Lava-Jato, mas transformar essa comunicação (ilegalmente roubada e divulgada) em água benta para lavar os pecados de centenas de corruptos confessos (e outros corruptos evidentes) é um chute na cara da sociedade.

Agora querem ir ainda mais longe na indignidade. Querem punir com provas ilegais quem pela primeira vez na história do Brasil colocou poderosos corruptos e corruptores na cadeia. É claramente uma retaliação. Um gigantesco e coordenado “sabe com quem você está falando” para quem ousou investigar e punir “poderosos”.

O presidente do STJ, Humberto Martins, disse com todas as letras que o “dever institucional de autodefesa” do Judiciário justifica o uso de provas ilícitas para abrir inquérito contra os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato. Para o magistrado, os “direitos fundamentais e garantias constitucionais” não podem ser interpretados de forma absoluta, e por isso poderiam ser flexibilizados nesse caso.

Ora, o “raciocínio” cometido acima serve também para justificar a conduta da força-tarefa. Neste sentido, cabe a pergunta: o que é melhor para a sociedade brasileira, flexibilizar os “direitos fundamentais e garantias constitucionais” para livrar a cara de corruptos e punir quem os prendeu ou reafirmar a punição dos corruptos e livrar a cara da força-tarefa?

Não sei para você, mas para mim a resposta é bastante óbvia.

Infelizmente o “clube dos poderosos” não está nem ai para a opinião pública.

O ministro do STF Gilmar Mendes, por exemplo, não perdeu tempo e tão logo Kassio Nunes Marques devolveu o pedido de vista no julgamento que discute a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro nos processos do ex-presidente Lula, pautou o caso para o mesmo dia. Nunca foi tão célere na vida. Sua gaveta é a prova disso. Ocorreu, no entanto, um contra tempo para ele: Kassio Nunes Marques votou contra a suspeição de Moro. Se a ministra Carmen Lúcia não mudar seu voto (como já ameaçou fazer) Moro e a força-tarefa da lava-jato escapam da sanha vingativa de Gilmar Mendes. Mas lembremos que os corruptos já foram beneficiados, com ou sem a punição de quem ousou prendê-los.

Aliás, Gilmar Mendes (sempre ele) não quer apenas punir a turma da Lava-Jato, quer também reformar a lei que pune o crime de lavagem de dinheiro para reduzir eventuais punições de corruptos. Em seminário virtual realizado pelo Instituto de Estudos Jurídicos Aplicados, alegou que existe um “exagero” na aplicação da lei. “Eu percebo o uso do crime de lavagem como uma tentativa de tornar ainda mais impactante a pena que se pretenda eventualmente aplicar.”

Ora, senhor Ministro, quer dizer que devemos ser mais brandos com quem usa truques para lavar dinheiro de corrupção? Atualmente a pena prevista para tal crime é de 3 a 10 anos de reclusão, mais multa. Talvez Gilmar Mendes ache melhor uma pena de 3 a 10 dias ou uma simples admoestação por mal comportamento. Vai depender que quem será beneficiado quando for declarar sua preferência.

Definitivamente o Brasil é um país de bananas. E os bananas somos todos nós que assistimos anestesiados pessoas agindo como se tivessem certeza de estarem fora do alcance das leis. Mais ainda: como se a lei fosse o que eles querem que seja. Até quando?

PS – Carmen Lúcia acaba de mudar seu voto. Venceu a suspeição de Sérgio Moro. Corruptos em festa.