Confesso que não tenho conhecimento suficiente para avaliar todas as implicações da proposta de reforma tributária que o economista e consultor Roberto Luis Troster publicou na seção TENDÊNCIAS / DEBATES da Folha de São Paulo, mas me parece que faz todo sentido e não tem efeitos colaterais adversos visíveis (a não ser o eventual fortalecimento de Bolsonaro para 2022).

Sim, essa proposta é o ovo de colombo que Paulo Guedes e Bolsonaro andam procurando para garantir uma política de distribuição de renda, mas seria sadismo não contribuir com sua divulgação e eventual implementação.

No entanto, penso que a sociedade brasileira colheria ainda mais amplos benefícios se houvesse também uma reforma administrativa no executivo, legislativo e judiciário, bem como nas estatais, que acabasse com os ralos de dinheiro público camuflados em salários indiretos, benefícios, auxílios e outros penduricalhos que drenam os recursos de forma crescente e corroem as verbas para atividades essenciais como saneamento,  saúde e educação, por exemplo. Se não fizer a reforma administrativa junto com a tributária, veremos os recursos imaginados para finalidade nobre serem lentamente desviados para os privilegiados de sempre.

Por último, observei uma curiosa coincidência entre o Cadastro Nacional Único de Cidadãos proposto por Troster e uma proposta que enviei para a Casa Civil e Ministério da Saúde logo nos primeiros meses do primeiro mandato de Lula, que permitia, entre outras coisas, justamente um prontuário médico online, um benefício com impacto direto na qualidade do atendimento e acompanhamento médico dos pacientes. Simplesmente não consigo entender o porquê desse recurso tão simples e efetivo nunca ter sido implantado. Espero que agora o seja.

Fiquem com o artigo de Roberto Luis Troster.

O TETO, A RENDA BÁSICA E A TRIBUTAÇÃO

Por Roberto Luis Troster para a Folha.

A realidade mostra o agravamento de distorções que excluem muitos do bem-estar e a repetição de crises. É o drama de problemas que não se resolvem. O Brasil tem a pior concentração de renda das Américas, um em cada seis brasileiros não tem renda e o governo federal não tem capacidade fiscal para amenizar o quadro. Mais grave ainda é a procrastinação em apresentar soluções.

pandemia piorou o quadro fiscal, a dívida pública e o déficit aumentaram e as perspectivas de crescimento da economia diminuíram. As projeções da relação dívida pública/PIB apontam que deve superar os 100% no próximo ano. A demanda social por uma renda básica tem que ser atendida.

Para solucionar o dilema, este artigo propõe três mudanças no Imposto de Renda Pessoa Física. A primeira é a criação de mais uma faixa de tributação. Seria da renda de R$ 0 a R$ 1.500, com uma alíquota negativa de 30%. Quando implantada, o cidadão sem nenhuma renda receberia R$ 450, equivalente a 30% de R$ 1.500. Outro, que ganhasse R$ 900, receberia R$ 180 de imposto negativo, correspondente a 30% de R$ 600 (R$ 1.500 – R$ 600) e teria uma renda total de R$ 1.080 (a soma da renda mais o Imposto de Renda recebido). Todos teriam assegurado um mínimo de R$ 450, ou R$ 15 por dia, que é uma renda mínima para excluir cidadãos da miséria, de acordo com o Banco Mundial.

As vantagens são: melhora na justiça social, redução da concentração de renda; manutenção do incentivo a trabalhar —diferentemente do programa Bolsa Família—; tratamento uniforme para todos os cidadãos, sem assistencialismo; diminuição da necessidade de alguns auxílios; facilidade de implantar; simplicidade; ativação da economia; e viabilidade financeira.

O financiamento seria feito através da segunda modificação no Imposto de Renda Pessoa Física. Atualmente, a alíquota marginal de salários é de 27,5%, superior à de rendimentos da renda fixa, que vai de zero a 22,5%, à de profissionais liberais, que é cerca da metade, e à de dividendos recebidos, que é zero. O princípio de “mesma renda, mesma tributação” seria adotado. Todos são iguais perante a lei e perante o Fisco. As alíquotas de todos os rendimentos seriam iguais às dos salários.

A terceira alteração é a criação de uma faixa adicional para os que têm rendimentos mensais superiores a R$ 20 mil, com alíquota marginal de 35%. É a média praticada na América do Sul. Os ajustes feitos pelo tratamento igualitário a todos e a nova alíquota devem ser mais que suficientes para financiar o imposto de renda negativo. Os demais programas assistências seriam reduzidos ou eliminados.

Para implantar o sistema, a Receita Federal criaria um Cadastro Nacional Único de Cidadãos. Atualmente, 82,5% da população brasileira está cadastrada —faltariam 17,5%, para o qual o órgão federal tem capacidade operacional para realizar a tarefa. Há cerca de 5% que são os invisíveis e merecem um tratamento especial para sua inclusão.

O cadastro incluiria a bioidentificação. Poderia ter ainda outros usos, como na Justiça Eleitoral, em um prontuário médico que poderia ser acessado em todo o país e, ainda, para mapeamento de políticas públicas nas diferentes regiões, em tempo real.

Note-se que o imposto de renda negativo não é uma transferência. Atualmente, as deduções do IR e as restituições não são consideradas dessa forma. Não há motivos para mudar a classificação por conta da criação da faixa adicional com alíquota negativa. Pode até abrir uma folga no Orçamento.

Se as propostas deste artigo fossem adotadas, três resultados importantes seriam alcançados. O primeiro e mais importante é o fim da miséria endêmica no país, uma vergonha nacional que se agrava a cada década e que acabaria rapidamente. O segundo é uma dinâmica fiscal melhor, e o terceiro é acabar com a injustiça de que os mais ricos pagam proporcionalmente menos impostos que os mais pobres.

Há mais que pode ser feito. O que não se pode é esperar mais. Os problemas sociais e fiscais se agravam a cada dia que passa, e podem ser solucionados rapidamente.