Até que ponto a escolha de palavras para o título da entrevista do governador de Minas, Romeu Zema, contribuiu diretamente para o entendimento “separatista” que vem ocupando espaço na mídia tradicional e nas redes sociais? Se basta ler a entrevista (que reproduzo na íntegra abaixo) para verificar que esse entendimento é uma clara distorção do que foi dito, uma evidente má-fé, por que tal interpretação vem ganhando tanto espaço?

Como observou o sempre ponderado Amilton Aquino, um intelectual nordestino, no final das contas trata-se apenas de um conflito distributivo. Os brasileiros do centro-sul têm receio de tocar nesta ferida para não parecerem xenófobos, mas é óbvio que este assunto tem que ser discutido”. E Zema o faz de forma bem didática e nem um pouco xenófoba na entrevista.

Amilton Aquino vai além e faz uma análise igualmente didática em seu Facebook:

“Sobre a polêmica da entrevista do governador Zema ao Estadão, que o levou a ser acusado pela imprensa de querer plantar uma fagulha separatista ao propor a formação de um bloco Sul/Sudeste, similar ao Consórcio Nordeste já existente, vamos combinar que tal iniciativa é uma reação à criação de um novo fundo para as regiões Nordeste, Norte e Centro-oeste, mais uma vez com o sublime objetivo de “reduzir as desigualdades”.

Ora, há décadas que existem fundos específicos com este objetivo e até hoje a diferença de desenvolvimento entre tais regiões não mudou muita coisa. Por que isso acontece? Será que tais recursos estão realmente sendo bem aplicados? Quanto desses recursos são desviados? Quanto é gasto para manter estruturas administrativas caras e ineficientes?

Já não basta que, com exceção de Roraima, todos os Estados do Norte e Nordeste tenham hoje mais beneficiados pelo Bolsa Família do que pessoas com carteira assinada?

Certamente existem pesquisas sobre o custo-benefício de tais políticas, mas não é preciso mergulhar fundo para perceber que tais ações têm sempre efeitos colaterais. Que o diga a Zona Franca de Manaus, que contribui enormemente com o maldito Custo Brasil, levando nossas maiores indústrias a terem um custo extra para produzir numa região longínqua para transportar tais mercadorias de volta para os maiores centros consumidores. E a indústria da pobreza no Nordeste que perpetua no poder políticos fisiológicos que não fazem outra coisa em Brasília a não ser buscar verbas para comprar votos nos seus currais eleitorais?

Eu sou nordestino, mas entendo perfeitamente o mal estar das demais regiões, não só pela questão da distribuição dos impostos arrecadados, onde o São Paulo, o mais prejudicado, recebe de volta apenas 10% do que envia para Brasília, mas também pelo mal-estar eleitoral, onde o Nordeste decidiu cinco eleições em favor do PT, sendo a última a mais simbólica, pois o PT perdeu nas demais quatro regiões. Sim, o Nordeste, por ter o maior número de estados, tem hoje o maior peso político no Congresso.

Por fim, não foi Zema que dividiu o Brasil. Quem dividiu o Brasil foi Lula. Se não tivesse dividido, Bolsonaro nunca teria chegado à presidência.”

Amilton Aquino termina o texto acima lembrando um fato do qual já tratei em diversos artigos do blog: o PT criou o “nós contra eles” e precisa dessa polarização para se manter no poder. E o papel da imprensa nesse projeto de poder tem sido, com uma frequência preocupante, de adesão à narrativa do PT. A falta de isenção é uma espécie de condenação do Brasil à crise eterna.

Não concordo com tudo que o Zema diz na entrevista, mas acho curioso que o Estadão tenha fabricado o título abaixo e não tenha dado o devido destaque ao seguinte trecho da entrevista:

O que eles (PT e esquerda) têm é um discurso muito apelativo e fazem muito mais uso dele do que de entregas propriamente ditas. Mas é um discurso sedutor, é meio que o canto da sereia: nós somos social, nós somos verdes. Agora olha o governo do PT em Minas que me antecedeu. Tudo que era social eles pararam de fazer. O pagamento do piso mineiro de assistência social, quem parou de pagar? O governo do PT em Minas. Tínhamos o auxílio reciclagem para os catadores de material. Quem parou de pagar? O PT. Tínhamos uma merenda escolar boa. Durante a gestão do PT, a merenda virou um ensopado aguado de arroz. No meu governo voltou a ter carne, verdura, legumes. Voltamos a pagar o piso, o auxílio da reciclagem e paguei os atrasados. Então, eles são muito bons de discurso. E hoje lá em Minas, uma parte ainda expressiva, talvez metade dos professores, critica o meu governo. Mas foi durante o governo do PT que eles não tinham data para receber salário, que não recebiam o 13°. Então quem arca com os compromissos e faz tudo certo, paga férias prêmio para quem está aposentado há 10 anos – eles não pagaram nenhuma, não é bom.”

E por que esse trecho mereceria destaque? Porque ele desmistifica a narrativa da xenofobia e reforça o foco administrativo, algo fundamental na entrevista.

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ZEMA ANUNCIA FRENTE PARA ‘PROTAGONISMO’ DO SUL-SUDESTE E QUER DIREITA UNIDA CONTRA A ESQUERDA

Em entrevista exclusiva ao Estadão, governador de Minas fala que, pela primeira vez, Estados do Sul e Sudeste vão agir em bloco não só para evitar perdas econômicas; ideia é lançar um candidato de direita do grupo para a sucessão presidencial e tomada de poder político

ENTREVISTA COM ROMEU ZEMA – GOVERNADOR DE MINAS GERAIS

Por Monica Gugliano e Andreza Matais no Estadão

05/08/2023

Passa pouco das cinco horas da tarde, quando o governador Romeu Zema (Novo) chega à confeitaria onde marcamos esta entrevista no bairro do Ibirapuera, em São Paulo. Os assessores que o acompanham usam paletó e gravata. Ele veste uma camisa azul clara com um distintivo da bandeira de Minas Gerais. Brinca, contando que sempre trabalhou na iniciativa privada e usava uniforme. Quando se elegeu, pela primeira vez em 2018, criou esse modelo para ele. Diz que se sentia um estranho no mundo da política, mas que, com o tempo, foi se adaptando e aprendendo. “Parece que na política, no Brasil, infelizmente existe uma renovação de fazer o mesmo – que não foi o meu caso”, ressalva.

Ele revela que ao assumir o primeiro mandato acreditava que bons projetos e realizações resultariam em apoio dos parlamentares na Assembleia Legislativa. Mas que não era bem assim. “Ele (o parlamentar) quer é ter o protagonismo dele. Ele quer que eu tome café com ele, que eu visite a cidade dele, que eu viaje com ele, que ele apareça do meu lado na televisão”.

Nesta conversa de mais de uma hora com o Estadão, Zema come um croissant de queijo e toma um café expresso. Define-se como um político liberal e de direita. Mas diz que o Brasil precisa manter programas como o Bolsa Família. Afirma que se por apoiar políticas compensatórias, ele não puder ser de direita, então será de centro-direita. Mas acha que o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro ficou devendo aos liberais. “Na área econômica, pode ter sido bom. Mas pouco avançou em desestatização e em economia verde”.

O grande legado de Bolsonaro, para ele, foi o de ter organizado a direita. Ele crê que a figura do ex-presidente foi de fundamental importância nesse sentido. Daria nota 8 ao governo do ex-presidente, mas 5 para a comunicação de suas ações. Ainda assim, pondera que não é “bem essa direita” que os eleitores buscam e atribui a isso o fato de “terem despontado nomes mais produtivos politicamente” como o dos governadores de São Paulo, Tarcício de Freitas (Republicanos); do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), e até do Rio Grande Sul, o tucano Eduardo Leite. “Tudo vai passar por um processo da direita tentar se unir e encontrar um nome que tenha apoio. Mas se for para lançar dois, três nomes (em 2026), aí é para dar de mão beijada a reeleição ao adversário”, prevê.

Nascido em Araxá, na região do triângulo mineiro, Zema, 58 anos, só em alguns momentos, como quando diz que “na política você tem que saber agredir cirurgicamente”, usa um discurso que faz jus à geração e à tradição do Estado que deu ao Brasil políticos do naipe de Tancredo Neves e Magalhães Pinto, entre muitos outros. Na maior parte do tempo, ele é direto e sem meias palavras, como quando fala da oposição.

“Enxergo a esquerda como um adversário que na comunicação, na propaganda dá trabalho, mas no resultado? Pode esquecer porque eles nunca vão conseguir o melhor resultado em termos de crescimento da economia, de desenvolvimento”. Segundo o governador, a esquerda tem um discurso apelativo e o usa em detrimento de entregar melhorias para a sociedade. “Mas é um discurso sedutor, é meio que o canto da sereia: nós somos social, nós somos verdes. Eu bato palmas e aplaudo a esquerda porque eles conseguem fazer uma lavagem mental, mas na prática não tem nada”, critica.

Embora ainda falte muito para a eleição de 2026, Zema diz que só pensa na hipótese de ser candidato se achar que “poderá fazer alguma coisa”. Se não prefere apoiar outro nome. De qualquer forma ele antevê uma eleição polarizada, em um pais dividido e crê que o apoio de Bolsonaro, inelegível por oito anos, será fundamental.

Por isso, os governadores do Sul, Sudeste – maciçamente de oposição – já se preparam e se organizaram no Consórcio Sul-Sudeste (Cossud). A entidade agora é presidida pelo governador Ratinho Junior e, pela primeira vez, formalmente constituída promete dar trabalho ao governo federal e atuar em bloco no Congresso sempre que possível. “Temos 256 deputados – metade da Câmara – 70% da economia e 56% da população do País. Não é pouco, nê? Já decidimos que, além do protagonismo econômico que temos nós queremos – que é o que nunca tivemos – que é protagonismo político”, avisa.

A ENTREVISTA

Como está o relacionamento do senhor com os demais governadores do Sul, Sudeste? Vocês se conversam tem um grupo no zap?…..

Temos o Grupo do Cossud. Na verdade, ele já existia, mas nós formalizamos o Consórcio Sul, Sudeste, que reúne os 7 Estados das duas regiões. A cada 90 dias, nós nos encontramos para trabalharmos de forma conjunta. A última reunião foi em Belo Horizonte. Tem muita coisa que um Estado faz melhor que o outro. Também já decidimos que além do protagonismo econômico que temos, porque representamos 70% da economia brasileira, nós queremos – que é o que nunca tivemos – protagonismo político. Outras regiões do Brasil, com Estados muito menores em termos de economia e população se unem e conseguem votar e aprovar uma série de projetos em Brasília. E nós, que representamos 56% dos brasileiros, mas que sempre ficamos cada um por si, olhando só o seu quintal, perdemos. Ficou claro nessa reforma tributária que já começamos a mostrar nosso peso. Eles queriam colocar um conselho federativo com um voto por Estado. Nós falamos, não senhor. Nós queremos proporcional à população. Por que sete Estados em 27, iríamos aprovar o quê? Nada. O Norte e Nordeste é que mandariam. Aí, nós falamos que não. Pode ter o Conselho, mas proporcional. Se temos 56% da população, nós queremos ter peso equivalente.

Quando começou o Cossud?

Começou no meu primeiro ano de governo. Já tivemos reuniões em todos os Estados, mas nunca havia sido formalizado. É que, como (JoãoDoria sempre foi um candidato potencial à Presidência, essa candidatura dele, atrapalhava o grupo. Os outros governadores ficavam com um pé atrás. Agora, não. Esse grupo é coeso. A reunião de BH foi a oitava, a melhor de todas. Mas foi a primeira dentro desse contexto de formalização. Não é mais um grupo informal, tem CNPJ e vamos ter um escritório de representação em Brasília. E, pela primeira vez, um dia antes da reforma tributária ser votada nós convidamos todos os 256 deputados federais (metade da Câmara dos Deputados) do Sul e do Sudeste. Os do Norte e Nordeste estão muito na nossa frente.

Qual é a agenda prioritária para o Cossud?

A reforma tributária e a representatividade no Senado. Sempre vamos estar em desvantagem – 27, num total de 81. Temos feito o mesmo trabalho com os senadores de nossos Estados e o que nós queremos é que o Brasil pare de avançar no sentido que avançou nos últimos anos – que é necessário, mas tem um limite – de só julgar que o Sul e o Sudeste são ricos e só eles têm que contribuir sem poder receber nada. A reforma tributária, fizemos outro questionamento. Está sendo criando um fundo para o Nordeste, Centro-Oeste e Norte. Agora, e o Sul e o Sudeste não têm pobreza? Aqui todo mundo vive bem, ninguém tem desemprego, não tem comunidade…Tem, sim. Nós também precisamos de ações sociais. Então Sul e Sudeste vão continuar com a arrecadação muito maior do que recebem de volta? Isso não pode ser intensificado, ano a ano, década a década. Se não você vai cair naquela história, do produtor rural que começa só a dar um tratamento bom para as vaquinhas que produzem pouco e deixa de lado as que estão produzindo muito. Daqui a pouco as que produzem muito vão começar a reclamar o mesmo tratamento. É preciso tratar a todos da mesma forma. As decisões têm que escutar ambos os lados e o Cossud vai fazer esse papel porque ninguém pode ignorar o peso de expressivo de 256 deputados na Câmara.

No começo do seu primeiro mandato o senhor dizia que se sentia estranho na política. Isso já passou, não é?

Não. Mas, com o tempo a gente vai se adaptando, o ser humano é flexível. Eu falo que cada ano de governo, para mim, foi como se fosse um doutorado. Era tudo novidade. Vejo que você apreende e ao mesmo tempo leva ideias novas que funcionam. Parece que na política, no Brasil, infelizmente existe uma renovação de fazer o mesmo – que não foi o meu caso. As práticas não mudam.

Por que não foi o seu caso?

Porque eu vim com ideias novas e acho que assim como acontece na iniciativa privada, você tem que dar o exemplo. Em Minas são 320 mil funcionários públicos. Mas eu não tenho um parente, um amigo empregado no Estado. Todos os que trabalham comigo eu não conhecia ninguém há cinco anos. Todos foram selecionados. Mas parece que algo tão lógico é inédito na política. Você sempre tem que levar sua turminha e, infelizmente, nela nem sempre só tem gente boa. Na maioria das vezes, é um punhado de gente que mais pesa do que produz. É igual a levar uma seleção para disputar a Copa e levar seus tios e irmãos, em vez de levar craques. A diferença é a mesma. É brutal.

E a pressão política, os aliados, os partidos da base, como ficam?

Eu diria que nós fomos vistos com muita restrição no início. Há quatro anos, muitos diziam que eu teria o mesmo destino do Witzel (Wilson Witzel, ex-governador do Rio de Janeiro, afastado do cargo or impeachment), do Carlos Moisés (ex-governador de Santa Catarina que sofreu processo de impeachment, mas foi inocentado). Ia ser o impeachment. Eu só escutava e falava: pode até ser, às vezes política funciona assim. Mas eu vou continuar fazendo o certo. E quem faz o certo, uma hora começa a ter o resultado.

Mas por que o senhor teria o mesmo destino que eles?

Porque eu não era do mundo político. Era outsider como eles. Então, sempre me diziam: você é de fora, não vai se sustentar porque não vai fazer o jogo da política. Mas sempre fizemos o certo. Nunca tivemos nenhum escândalo na minha gestão e, com isso, fomos conquistando credibilidade e ficando bem avaliados (Pesquisa Genial/Quaest indicava que ele era aprovado por 59% dos mineiros, em abril). Minha reeleição foi um resultado claríssimo disso. No primeiro turno tivemos 56% dos votos, com um concorrente apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro. Se não fosse o Carlos Viana, teríamos ido a 60%.

O senhor então diria que já está craque na política?

É…. temos aprendido a fazer política. Como eu era um novato, tinha uma visão de que se eu tivesse bons projetos e bons resultados, teria apoio dos parlamentares. Mas vi que parlamentar não quer bom projeto ou bom resultado do Executivo. O que ele quer é ter protagonismo. Ele quer que eu tome café com ele, que eu visite a cidade dele, que eu viaje com ele, que ele apareça do meu lado na televisão etc. E isso você não apreende de um dia para o outro. Hoje eu aprendi a fazer essa política que não fere em nada os princípios em que sempre acreditei. Mas estou sempre colocando limites, principalmente entre os parlamentares e prefeitos, por exemplo, eu digo que isto aqui não dá pra fazer porque fere a lei e não vou fazer nada que fira a lei. Prefiro ficar mal visto, fazendo o certo do que ficar bem visto, ferindo a lei, fazendo o errado. Por que esse bem visto vai ser temporário também. Um bom exemplo foi no ano passado, no ano da reeleição, quando o funcionalismo começou a fazer greve, ignorando que temos a lei de responsabilidade fiscal. Falei: vou fazer o certo, mesmo que eu perca esta eleição. Eu não dependo deste cargo aqui. Tenho minhas atividades.

O senhor acha que os políticos deveriam ter outra atividade além do cargo ou do mandato?

Todos deveriam ter uma atividade principal para não ficar dependendo de reeleição. Muitos vendem a alma ao diabo para se reeleger. E uma hora isso vai aparecer. Vai ser uma investigação, vai ser o Ministério Público, serão as contas destroçadas que vão inviabilizar a prefeitura, o Estado ou o País. Então meu raciocínio é um pouco diferente do que sempre prevaleceu. Se for para fazer o certo, conte comigo. Se for para fazer o errado, eu volto pra minha casa que eu tenho o que fazer. Até hoje eu tenho meu nome limpo, tenho uma reputação. Por que vou fazer o errado agora? Para ganhar a eleição? Eu nunca pensei em ganhar a eleição. Ganhei, cá entre nós, mais por acidente do que por planejamento.

E os parlamentares, como reagem? Parlamentar está acostumado a ser bem tratado…

Estamos com uma base boa na Assembleia, no mínimo 47 de 77. No primeiro governo nós tínhamos base, só que a mesa diretora da Assembleia que era composta por políticos da velha guarda, simplesmente não deixavam nossos projetos serem submetidos ao plenário. Ficou tudo engavetado. Ficou claríssimo que a mesa diretora não queria que nosso governo fosse adiante. E nas eleições deu para entender tudo porque no ano passado, boa parte dessa mesa diretora foi compor a chapa e ajudar na eleição do meu principal adversário em Minas Gerais. Então parece que a tese era, quanto pior melhor pra nós aqui.

O senhor é próximo do ex-presidente Jair Bolsonaro? O senhor acha que hoje ele ajuda um candidato ou atrapalha?

Na eleição de 2018, apoiei o candidato do meu partido, João Amoedo. No segundo turno apoiei Bolsonaro. Na eleição de 22, apoiei o Luiz Felipe d’Ávila no primeiro turno e no segundo, Bolsonaro para impedir ou tentar reduzir as chances do PT. A minha gestão nunca teve nenhuma proximidade com a gestão dele (Bolsonaro). O tratamento da pandemia em Minas, por exemplo, não teve nada a ver com o tratamento do governo federal. Tanto é que fomos o Estado que teve a menor taxa de mortalidade, entre os Estados de Sul, Sudeste e Centro Oeste. Mesmo com dificuldades financeiras, nós tomamos todas as medidas possíveis. Com relação a essas pautas polêmicas do Bolsonaro, eu também não entro nisso. Não tenho arma, mas sou um liberal, quem quiser ter uma, pode ter.

O senhor acha que ele fez um governo liberal?

Em termos, sim. Em termos, não. Foi liberal em algumas questões e não em outras. Na área econômica, pode ter sido porque fez uma reforma previdenciária, simplificou a vida do empreendedor, mas pouco avançou em desestatização, na questão de uma economia mais de mercado, de fazer o Brasil se inserir numa cadeia mundial de comprar e vender mais. Isso não avançou muito não. E teve a questão do meio ambiente. Hoje, ser ambiental é ser de mercado. Porque eu sei que se o nosso café não for um café verde, produzido com toda a responsabilidade ambiental, nós vamos ter dificuldade de exportar café…

O discurso do ex-presidente, que flexibilizou regras de preservação do meio ambiente atrapalha?

Na minha opinião atrapalha muito porque nós estamos inseridos numa economia em que é preciso mostrar que você tem responsabilidade ambiental. Só assim vai ganhar mercado. Se você não tiver, não ganha. É, grosso modo, semelhante a você ter trabalho infantil.

Que nota o senhor daria ao governo de Bolsonaro?

É difícil dar nota. Mas o que eu posso te dizer é que ele tinha a eleição totalmente na mão. Mas o discurso, a retórica, a polêmica fizeram com que ele perdesse para ele próprio. Ele fez um governo bom, talvez nota 8. Mas teve uma comunicação ruim, principalmente a dele. Eu daria nota 5. Por que não adianta você fazer certo e comunicar o contrário. Não foi falta de alerta, da equipe que estava com ele de que isso acabaria prejudicando-o.

Esses equívocos de Bolsonaro podem dificultar a eleição de um novo governo de direita? Ou a eleição vai depender mais de como o presidente Lula entregar o governo?

Vai depender muito da economia. Eleição depende muito da economia. Já me mostraram análises em que presidentes, governadores que perderam ou ganharam a eleição por que houve uma seca, um boom econômico. Mas posso te dizer que boa parte dos indicadores positivos que estamos vendo no Brasil hoje foram plantados na gestão de Bolsonaro. E a colheita está acontecendo agora. Mas temos três anos e meio pela frente até a próxima eleição. Se a colheita não avançar, ela não se sustenta.

E o senhor acha que vai se sustentar?

O Brasil está inserido no mundo. Se o que nós produzimos e vendemos estiver com um bom preço, como já aconteceu lá atrás, nos anos 2005, 2010, com o boom das commodities, isso mostrou ser fundamental para a reeleição de Lula. Mas ele não fez as reformas. E depois tivemos a maior recessão da história, provocada por questões internas que o PT gerou, corrupção, petrolão, mensalão etc. O mundo cresceu em 2015 e 2016. Qual foi o maior exceção? O Brasil que teve a maior recessão da história. Tudo isso, vai ter na minha opinião um peso muito maior em 2026.

E a direita, o senhor acha que estará mais forte ou não?

A direita, na minha opinião, já está hoje muito mais organizada. Acho que a figura de Bolsonaro foi de fundamental importância para deixar essa ideia de direita formada. Porque parece que a direita não existia, que eram pessoas isoladas. Ele conseguiu, de certa maneira, criar uma noção de direita.

Mas muitos não querem essa direita de Bolsonaro, querem alguém mais moderado, menos encrenqueiro….

Concordo plenamente, tanto é que os nomes que têm despontado não tem essa exaltação que ele tem. São nomes como o de Tarcísio, Ratinho, Eduardo Leite…

O senhor…

Também. São nomes que serão mais produtivos politicamente. Porque quando você agride demais, de certa maneira parece que isso provoca um revide, uma reação. Na política você tem que saber agredir cirurgicamente, em alguns pontos

O senhor se define como?

Direita. Mas sei que em um país como o Brasil, você não pode abrir mão das ações sociais. O Brasil não pode ficar sem o Bolsa Família. Mas, se alguém falar, isso não é ser direita, então já não sou mais direita. Sou centro-direita (rindo). A visão tem que ser assim: o que funciona e o que não funciona e não uma visão dogmática, tipo, é desse jeito. A situação muda e eu vou manter o meu dogmatismo? Não pode.

Nesse sentido, então, o senhor vê ações positivas na esquerda. Para Bolsonaro, a esquerda era um demônio…

Deixa eu mastigar e pensar….. (rindo). Eu enxergo a esquerda como um adversário que na comunicação, na propaganda dá trabalho, mas que não mostra resultados. Pode esquecer por que eles nunca vão conseguir o melhor resultado em termos de crescimento da economia, de desenvolvimento. O que eles têm é um discurso muito apelativo e fazem muito mais uso dele do que de entregas propriamente ditas. Mas é um discurso sedutor, é meio que o canto da sereia: nós somos social, nós somos verdes. Agora olha o governo do PT em Minas que me antecedeu? Tudo que era social eles pararam de fazer. O pagamento do piso mineiro de assistência social, quem parou de pagar? O governo do PT em Minas. Tínhamos o auxílio reciclagem para os catadores de material. Quem parou de pagar? O PT. Tínhamos uma merenda escolar boa. Durante a gestão do PT, a merenda virou um ensopado aguado de arroz. No meu governo voltou a ter carne, verdura, legumes. Voltamos a pagar o piso, o auxílio da reciclagem e paguei os atrasados. Então, eles são muito bons de discurso. E hoje lá em Minas, uma parte ainda expressiva, talvez metade dos professores, critica o meu governo. Mas foi durante o governo do PT que eles não tinham data para receber salário, que não recebiam o 13°. Então quem arca com os compromissos e faz tudo certo, paga férias prêmio para quem está aposentado há 10 anos – eles não pagaram nenhuma, não é bom.

Mas o senhor foi reeleito mesmo assim…

Fui. Mas eu sou visto como o malvado. Agora o bonzinho, que entra e não faz nada ou faz tudo errado, eles batem palma. Eu bato palmas e aplaudo a esquerda porque eles conseguem fazer uma lavagem mental porque eles se elegem e reelegem em cima de uma utopia que só existe no discurso, na prática não tem nada. E o caso de Minas é claríssimo, queria ter esse poder, porque eu que entrego muito mais, não consigo ter esse ganho essa visibilidade que eles têm. Na verdade, eles foram um terror para o Estado, destruíram Minas Gerais. Pergunte para qualquer prefeito que estava à frente de prefeituras em 2017, 18. Tivemos alguns que renunciaram, que adoeceram e até se suicidaram porque simplesmente pararam de repassar o ICMS, o IPVA e o Fundeb para as prefeituras. E, veja só, ainda tiveram 15% dos votos. Deveriam ter tido zero. Quinze foi muito.

Mas o Governo de Bolsonaro também não parece ter sido muito bom….

Teve até entregas, mas parece que em vez de comunicar as entregas, gastava o tempo negando a pandemia, brigando, parece que se perdeu nessa questão.

O senhor pretende concorrer à presidência em 2026?

Eu sempre falo que eu prefiro ser lembrado como um ótimo, bom governador, do que ser mais um presidente. Não tenho nenhuma pretensão. Não sei o que será em 2026. Se depender de mim, desejaria apoiar um bom nome…

Mas se o cavalo passar encilhado, como se diz na política….

Aí nós vamos ter que avaliar. Para ser um presidente cheio de amarras que não consegue fazer nada, eu deixo outro ir no meu lugar.

O senhor fala isso, Tarcísio também diz que vai ter que ficar, então não vai ter candidato?

Às vezes aparece outro nome…..Ratinho, Eduardo Leite, são dois governadores bem avaliados. Tudo vai passar por um processo da direita tentar se unir e encontrar um nome que tenha apoio. Mas se for para lançar dois, três nomes, aí é para dar de mão beijada a reeleição ao adversário.

Mudar de partido….

Estou muito satisfeito com o novo, não pretendo mudar de partido.

E Bolsonaro inelegível, ajuda ou atrapalha em 2026?

Ele ajuda. Sem dúvida. É lógico que algumas posições dele, afugenta eleitores como foi a de desdenhar a pandemia. Acaba agredindo. O apoio dele vai ser importantíssimo para o candidato que surgir em 26. Ele, mais do que ninguém atrai milhões de brasileiros.

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P.S. ainda necessário:

Isso não é uma defesa do Governo Bolsonaro, que foi uma tragédia em áreas fundamentais como Saúde, Meio Ambiente, Educação, Pesquisa, Cultura etc. Foi uma tragédia também porque deu voz e potência a uma parcela da população brasileira que, como o próprio Bolsonaro e sua prole, se ressente da cultura & civilização, conceitos que constituem a espinha dorsal das maiores conquistas da humanidade em termos de liberdade, direitos sociais e qualidade de vida. São pessoas que nem entendem o que escrevo aqui. Logo, o que faço nos artigos que publico e nos debates de que participo é apenas a defesa da racionalidade econômica, da democracia, da liberdade de expressão e de imprensa. Não é porque Bolsonaro é um desastre que vou fechar os olhos para os desastres, os erros e os sonhos autocráticos do PT.

Mas na área econômica, com 2 anos de pandemia e o vale-tudo para tentar ganhar a eleição, a gestão foi bastante adequada, embora a tenha criticado em vários aspectos.