Digo que democracia é sinônimo de democracia liberal há muito tempo. Discuto o conceito em diversos artigos do blog Questões Relevantes. Em um deles comento com alguma ironia o próprio verbete DEMOCRACIA no “Dicionário de Política” de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino para concluir que “a democracia real, palpável, que dá substância à palavra, que assegura o que se consagrou como direitos universais do homem, é a democracia liberal. Não há outra experiência concreta para ser estudada. Se a Democracia Liberal não conseguiu ainda realizar-se de forma simultaneamente formal e substancial, é onde mais perto se chegou da utopia teórica e a única que oferece as condições para seu contínuo aperfeiçoamento.”
Uma reflexão sobre o tema, livre de paixões, não pode chegar a resultado diferente.
É mais comum que tal reflexão ocorra tendo como elementos antagônicos as teses liberais e as teses socialistas sobre o tema, mas certamente vai muito além. Em artigo em que parto da divisão proposta por Augusto de Franco entre democratas e autocratas, lembro que “é imperativo observar um detalhe essencial: existem autocratas de extrema-direita, de esquerda e extrema-esquerda, mas democratas existem apenas no intervalo que vai do centro à direita, uma vez que não é possível conciliar a autocracia ou o fim da propriedade privada dos meios de produção com a democracia”.
Agora o próprio Augusto de Franco indica artigo do cientista social Alexander Görlach, publicado pelo portal Deutsche Well, que já no título faz uma síntese radical de todo que venho afirmando: democracia é liberal ou não é democracia.
Reproduzo a íntegra abaixo. Trata-se de uma reflexão sobre as fragilidades da democracia. Frequentemente esta conquista civilizacional sofre ataques de líderes populistas que, uma vez democraticamente eleitos, atacam por dentro os pilares liberais que lhe dão sustentação.
Por exemplo, logo nos primeiros parágrafos, Alexander Görlach diz que “Comum a todos os extremos do espectro político atual, de Donald Trump a Herbert Kickl, é o fato de eles equipararem a política à lei do mais forte. O que é próprio vem “primeiro”, o que é alheio vem depois.
Trata-se de um erro que muitos engolem por conveniência ou ignorância.
Fiquem com o artigo.
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DEMOCRACIA É LIBERAL OU NÃO É DEMOCRACIA
Comum a todos os extremos do espectro político atual, de Donald Trump a Herbert Kickl, é o fato de eles equipararem a política à lei do mais forte. O que é próprio vem “primeiro”, o que é alheio vem depois.
Isso não é um engano – é claramente proposital. Trata-se de apresentar a própria agenda como reivindicação da vontade popular. Para eles, uma república é o lugar onde a vontade da maioria se torna lei. O povo é essa maioria, então o povo define a lei.
É claro que o povo não pode executar isso sozinho, e é por isso que escolhe seus “verdadeiros” representantes. Quem perturbar essa simbiose de povo e representantes é um “corpo estranho”, não pertence (mais) a essa aliança. Homens que favorecem tal política – e por isso se deixam festejar como chamados “homens fortes” – desprezam a democracia.
Eles dizem que sua forma de república é “iliberal” e não “liberal”. Recentemente, o ministro do Interior austríaco, Herbert Kickl, apresentou essa atitude perturbadora como uma máxima política, dizendo: a lei tem de se submeter à política.
Por meio do adjetivo “liberal”, procura-se banir a forma democrática de governo que se estabeleceu ao longo dos últimos 70 anos em todo o mundo. Não se trata de uma democracia que – dependendo do prefixo – é um pouco diferente ou diferente.
Uma democracia é liberal ou não é. Não há democracia iliberal! A atual forma democrática de governo existe apenas como Estado de direito e não como lei do mais forte.
Todas as atuais democracias reconhecem os direitos humanos e assumem que eles não só precedam qualquer ação governamental, mas também sejam síntese de toda ação do governo. Os direitos humanos são compilados nas constituições e garantidos pelos Estados nacionais aos seus cidadãos.
Como seria uma versão iliberal desse modelo? Direitos humanos apenas para austríacos “legítimos”? Restrição de liberdade religiosa para muçulmanos? Determinadas áreas residenciais para homossexuais? A afirmação de que uma cultura é homogênea e que a heterogeneidade é uma expressão de degeneração se encaixa atualmente no discurso de populistas.
A admiração dos populistas recai principalmente sobre Vladimir Putin e, assim, sobre um homem que não precisa lidar com os direitos humanos. Em vez disso, jornalistas, críticos do governo e homossexuais são mortos, se forem motivo de perturbação em seu país. Por que não algo assim na Áustria? Também na Hungria e na Polônia, a liderança política parece bastante entusiasmada com o estilo de governo de Putin.
As razões pelas quais as pessoas se deixam enganar pelos chamados homens “fortes” são múltiplas. No entanto, em primeiro lugar, é preciso asseverar que esses homens nada têm de forte: quando se olha para o Sr. Putin ou o Sr. Erdogan e, cada vez mais, para o Sr. Xi, eles provocaram com sua visão de mundo graves danos à economia e à moeda dos seus países, levando desordem às sociedades.
A democracia, por outro lado, levou por 70 anos prosperidade e segurança a todos aqueles que nela vivem. Isto funcionou porque vigorou o Estado de direito, não a lei do mais forte.
Pertencer ou não a uma democracia não depende da cor da pele ou de religião. As constituições que garantem isso apontam otimistas para o futuro. Os Kickls da atualidade, no entanto, querem o retorno a um mundo de classes e à lei do mais forte. Deixem-nos irem sozinhos ao abismo!
Alexander Görlach é professor honorário de Ética e Teologia na Universidade de Lüneburg e pesquisador sênior no Instituto de Religião em Estudos Internacionais na Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Com doutorado em teologia e linguística, seu foco de estudo está no futuro da democracia, política e religião, narrativas de identidade, a democracia na era da inteligência artificial, o secularismo, o pluralismo e cosmopolitismo. Görlach ocupou vários cargos na Universidade de Harvard, Massachusetts, de 2014 a 2017, no Centro de Estudos Europeus e na Divinity School. No ano acadêmico de 2017-2018, ele foi professor visitante em Taipei e Hong Kong, onde se ocupou das democracias no Leste Asiático. Como autor convidado, ele escreve para os jornais The New York Times e Neue Zürcher Zeitung. Ele também trabalha como colunista para a Deutsche Welle e a revista de economia Wirtschaftswoche.
Existe democracia sem respeito a minorias sim, e continuam sendo democracias. Você compartilha um artigo que fala em verdade nao da democracia, mas do Estado de Direito, a rule of law que contenha bill of rights, mas a expressão Estado de Direito aparece apenas uma vez, enquanto que a palavra democracia aparece dezenas de vezes. Você nao faz uma defesa da democracia liberal, voce faz uma defesa do estado de direito, mas nao se deu conta disso, ou deliberadamente usou uma expressão, democracia, que nao é exatamente o que voce defende.
Você conhece algum exemplo de democracia iliberal? Pode citar?
Hoje em dia não, todos são em maior ou menor nedida social democracias. USA e UK, sem o atual aparato regulatório, ou seja, países com Bill of Rigths, são os melhores exemplos históricos de “rule of law”. Mas repito que hoje em dia o aparato regulatório torna muito difícil o indivíduo se defender da arbitrariedade da maioria. Sua definição de “democracia liberal” é muito vaga para ser útil do ponto de vista prático. Deveríamos estar defendendo fortemente um estado de direito com bill of rights, ponto.
É exatamente isto que defendo. O nome que resume este conceito é “democracia” que só existe se for liberal.
Desculpe, mas democracia e estado de direito são duas coisas que coincidem mais ou menos historicamente, mas são coisas diferentes. O adjetivo liberal à democracia pode significar, na sua visão, equivalência com “estado de direito”, porém, me parece um nome que causa confusão. Não estou discordando, apenas questionando a terminologia, pois sinceramente a considero inadequada.
Este tem sido um tema recorrente do blog. Deixo aqui uma sugestão de leitura em que aborda esta questão de forma mais objetiva:
LUTAR CONTRA A DEMOCRACIA É UM RETROCESSO CIVILIZACIONAL.
https://goo.gl/sXLnj6
Este outro também aborda a questão:
ESQUERDA X ESQUERDA, OU: NÃO DÁ PARA CHAMAR SEMÁFORO DE LIQUIDIFICADOR.
https://goo.gl/YDpe43
Muito bom o texto. Apresenta uma verdade sim Democracia só existe do centro para a direita, pois neste mundo onde reinou a esquerda a democracia geralmente foi assassinada. E onde ela conviveu (por não haver tempo da implantação do pleno poder) está tudo uma merda. Vejamos os exemplos; França falida, Itália falida, e assim segue.
Mas o populismo personalista também está presente em Trump e Bolsonaro, por exemplo. Em Bolsonaro menos, por falta de capacidade de discorrer sobre os principais temas. Talvez isto o obrigue a recuar de seus arroubos autoritários.
O problema e’ que, na pratica, as questões são complexas. Capitalismo e’ melhor que Socialismo? A história mostra que sim. Mas, Capitalismo também tem problemas, e graves. Entretanto, especificamente quanto ao liberalismo de Adam Smith, e’ um caminho que deu certo (o padeiro não acorda cedo e faz pão porque gosta de você, e pelo seu interesse dentro do sistema).
Claudinei, estamos de acordo. Quanto ao papel do capitalismo, deixo um convite à leitura:
O CAPITALISMO NÚ E CRÚ, EM NÚMEROS.
https://goo.gl/Y2oaXt
Nada como concordar com um artigo de vcs, e discordar totalmente de outro.
Incógnita de o que vcs defendem.
Este por exemplo, bem ao avesso das verdades que defendo.
Você discorda de que não existe Democracia Iliberal? Conhece algum exemplo?
Qual a definição dos populistas….Trump? Bolsonaro?
Ou seria Lula? Maduro?
Questões Relevantes, não creio que tenha havido na História um líder mais populista do que Lula! E só por isso que a Ditadura comunista não foi levada a termo- finalizada – no Brasil. O populismo falou mais alto, enquanto facilitador dos bolsos cheios.
Roseane, então….e aqui entendi o populista como Trump…Bolsonaro…né?
E Putin? Maduro? Francamente, os muçulmanos citados estão impondo suas condições de vida na Europa! Há que se ter uma fronteira de regras e não de medo, e é sob vários medos explícitos ou subjetivos que a sociedade está calada!
Não há dúvida de que Lula é um grande populista, talvez o maior que o Brasil já teve. Chávez também foi um grande populista. Maduro é uma Dilma de bigode, um herdeiro político sem carisma e incompetente.
Trump e Bolsonaro também entram na lista. Ambos defenderam (e defendem) medidas que afetam o equilíbrio entre poderes, pressionando para que atendam antes sua agenda política do que as leis, como salvadora da pátria.
Bolsonaro, no entanto, é um populista de fôlego curto, por falta de capacidade de discorrer sobre os principais temas. Talvez isto o obrigue a recuar de seus arroubos autoritários.
Melhor os de fôlego curto, assim sendo eles caem rápido! Se for o caso, Bolsonaro não perpetuará como Lula queria perpetuar o comando do PT no Brasil! Daí teremos Mourão no comando.
O fôlego de Lula, usado para vociferar mentira e roubo, acabou com o fôlego dos brasileiros!
Roseane, é verdade. Por isso, na época das eleições, defendi o artigo abaixo:
O PT E OS INOCENTES ÚTEIS ME LEMBRAM O POEMA “A ARANHA E A MOSCA”.
https://goo.gl/bt8wnM
A capacidade de entendimento das urgências e principais necessidades do país há que ser nossa principal fortaleza neste momento.
O populismo e a popularidade não devem ser confundidas. E no caso da nossa última eleição, nenhum candidato teria saído vitorioso, caso não se utilizasse de ambos, popularidade e populismo. A suposição de ter fôlego curto por não ter capacidade de discussão ou entendimento pode ser verdadeira para muitos tópicos, mas o fato de discutir, se amparar tecnicamente naqueles capazes de fato, e recuar quando reconhece um caminho melhor deveria ser visto como uma fortaleza. Acho que isto frustra a mídia de certa forma porque grande parte dela esperava o DITADOR À IMAGEM DE HITLER.
(bom mesmo era Lula que jogava números e dados falsos nos palanques, para parecer o gênio?).
Mas não fosse termos tido a campanha como ela se desenhou – surpreendida é claro pelo atentado – certamente aqueles que estavam no poder perpetuariam, e o Brasil, como Estado, morreria.
Por isto considero importante que haja discernimento na divulgação de determinados conceitos e suposições, que haja uma análise crítica sobre o que se está lendo e como a matéria tem como repercussão no bom andamento do País.
Sejamos cidadãos responsáveis.
A ideia do bate-papo aqui é só esta.
Exato. É debatendo, com argumentos, que expandimos a consciência dos problemas e podemos contribuir para eventuais soluções.