O artigo abaixo é mais uma contribuição à série que visa lembrar que no debate entre a matemática e a ideologia a primeira sempre tem razão.
Nesta crise mais do que prevista e anunciada em que mergulhou o Brasil, há sem dúvida dois fatores igualmente graves concorrendo para afundar o país: o enorme desequilíbrio das contas públicas, resultado direto da incompetência gerencial de Dilma, e a completa incerteza sobre a conversão da Presidente e do PT à racionalidade econômica.
Em um artigo chamado “Na encruzilhada, com o Demônio da economia”, que escrevi logo após o segundo turno das eleições de 2014, arrisquei o seguinte prognóstico:
“Se Dilma abandonar a cartilha do PT e colocar gente que o mercado reconheça como competente à frente da economia, tudo vai se acalmar. Se insistir nos imodestos companheiros e neste script para o desastre, a vida dos brasileiros será cada vez mais um inferno. O demônio da economia não aceita desaforos por muito tempo.”
Dilma até ensaiou fazer o certo ao nomear Joaquim Levy para a Fazenda, mas esqueceu de combinar com ela mesma que respeitaria a mudança. Qualquer benefício desta nomeação se perdeu quando a Presidente e o PT passaram a boicotar abertamente as propostas de Levy para tirar a economia do atoleiro.
O artigo abaixo traz um breve relato do conflito ideológico e prático que alimenta a crise brasileira.
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A fofura de André Singer
Por Ricardo Mioto
Leio a coluna deste sábado na Folha de André Singer, ex-porta-voz de Lula, ao mesmo tempo em que leio “O Mapa e o Território” (Companhia das Letras), do ex-presidente do Fed, o Banco Central americano, Alan Greenspan.
O contraste é grande.
Singer é do tipo que acredita que a solução para crises econômicas se dá por meio de apertos de mão. Acha que o caminho para resolvermos a má situação atual do país passa por um “um pacto”, que uniria as “forças interessadas em acordo mínimo de estabilidade e fim da recessão”.
É até fofinho. A macroeconomia é substituída pelos métodos de uma professora pré-escolar. Vamos todos nos juntar em uma sala, conversar e resolver isso. Não faz assim com o amiguinho.
A jornalista Miriam Leitão conta maravilhosamente em “A Saga Brasileira”(Record) como a mesma mentalidade se refletiu no combate à inflação no fim do século passado no Brasil. O contraste se dava entre economistas que orbitavam a PUC-Rio, que acabaram criando o Plano Real, e os heterodoxos da Unicamp.
O pessoal do Rio acreditava que era necessário atacar os incentivos para a inflação, como a tendência do governo a gastar mais do que arrecada, pressionando os preços, ou a inércia inflacionária –ou seja, retroalimentação da inflação em função da forte indexação de preços e salários. Em 1994, houve ainda aumento da taxa de juros, levando a certo esfriamento temporário da economia.
Já a turma de Campinas achava que a solução se daria por um “acordo” entre os empresários, o governo e os trabalhadores. Eles combinariam que daquele momento em diante os preços se estabilizariam, como se tudo fosse só uma questão de boa vontade. Não é uma visão de mundo bonitinha?
Aliás, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo até hoje tem essas ideias –deu uma entrevista recente dizendo que a solução para a crise é justamente um “pacto” entre as diferentes alas da sociedade, “para o qual todos dessem sua contribuição”.
É como o sujeito chegar em casa, pegar a mulher em adultério e resolver juntar todo mundo na sala –ele próprio, a mulher constrangida e o bonitão, provavelmente vestindo um roupão do corno– para buscar uma “solução de consenso”.
É o que diz Thomas Sowell em “Conflito de Visões” (É Realizações): o mundo se divide entre quem acredita que a solução para os problemas sociais ou econômicos é complexa e com frequência exige escolhas dolorosas, até trágicas, e a turma do pensamento mágico, para quem basta querer e dar as mãos.
O primeiro pensamento também carrega riscos, claro. Ele pode ser um convite à inércia, ao status quo. Já que as coisas são difíceis, melhor nem mexer. Mas certamente o voluntarismo não é opção melhor, especialmente quando ignora o papel dos incentivos, positivos e negativos, na economia.
No seu livro, Greenspan cita como a incerteza e a insegurança jurídica são um imenso incentivo para a fuga dos investidores. “Um clima de negócios nebuloso por conta, por exemplo, de incertezas em relação ao regime fiscal futuro, pesa sobre o nível de investimentos das empresas” –é até meio óbvio.
Pense em toda a imprevisibilidade criada pelo governo Dilma nos últimos anos, do setor elétrico às caóticas desonerações. No beco sem saída fiscal em que o governo se meteu. No intervencionismo em busca de ditar taxas de retorno do setor privado, no uso da Petrobras para administrar (sem sucesso) a inflação. Na falta de coragem para lidar com bombas-relógio como a Previdência.
Agora chame André Singer para convencer o país de que, se todos fecharmos os olhos e acreditarmos juntos, o amanhã será melhor.
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Link para o artigo de Ricardo Mioto “A fofura de André Singer“
Link para o artigo de Paulo Falcão “Na encruzilhada, com o demônio da economia”
Link para dois outros artigos de Paulo Falcão sobre o conflito entre ideologia e matemática:
Veja uma explicação bem didática sobre o motivo das “pedaladas” de Dilma serem ilegais: https://www.facebook.com/joaoabe/videos/938917342846804/
Obrigado.
Gostei do artigo e deixo aqui uma contribuição emprestada do artigo de Reinaldo Azevedo na Folha de hoje. Observe as convergências na análise:
PT tucano e PSDB petista?
Li uma reportagem que vinha carregada daquela indignação cívica de que só os petistas que não ousam dizer seu nome são capazes, informando que o PSDB, em cujo governo foi aprovado o fator previdenciário, votou em massa, com uma exceção, pela derrubada do veto de Dilma. Essa seria a evidência da sua incoerência.
Pois é… A simples lembrança de que a presidente pertence a um partido que sempre se disse contrário àquele expediente -embora nunca tenha tentado extingui-lo em 13 anos de governo- deveria bastar para que o petista no armário mudasse de assunto. Se ele quisesse ficar naquela retórica nem-nem tão comum na nossa imprensa, poderia ao menos concluir que nem petistas nem tucanos são coerentes nessa matéria.
E seria, ainda assim, um juízo torto porque ignora o peso da história. Sim, é verdade que as agendas do PT -se o PT fosse sinônimo de Dilma- e do PSDB, aparentemente ao menos, estão trocadas. Um idiota da objetividade concluiria que os tucanos, ao longo de sua trajetória, foram fanaticamente populistas, jamais se ocuparam do equilíbrio fiscal e, em nome do aplauso, jogaram na lata do lixo a matemática. Já os petistas, ao contrário, não temem a impopularidade. Se a conta não fecha, põem a contabilidade acima das generosidades.
Alguém identifica o PSDB com esse retrato? Alguém reconhece nos traços que vão acima o perfil do PT?
O petismo tentou inaugurar na política, já escrevi certa feita, o presente eterno. Pouco lhe importam compromissos, promessas, valores e até ideologia -desde que as escolha sirvam para fortalecer o ente de razão destinado a tomar o lugar da sociedade.
Foram poucos os que apontaram as contradições dos companheiros no primeiro mandato de Lula, quando seguiu, em linhas gerais, a cartilha deixada por FHC. Busca-se o selo de “partido sério”. Na segunda gestão do
Babalorixá de Banânia, e foi quando ele atingiu o cume da popularidade, Guido Mantega começou a praticar suas heterodoxias incompetentes. E arrematou suas bobagens no primeiro mandato de Dilma.
Entre 2011 e 2014, o PT foi, digamos, absolutamente petista. Entre 2003 e 2006, mesmo seguindo a cartilha do adversário e antecessor, Lula criou a mentira da herança maldita; entre 2007 e 2010, enfiou o pé nas generosidades sem lastro e elegeu a sua sucessora, que acelerou as irresponsabilidades do mestre e levou o Tesouro à insolvência.
Ao longo de 12 anos, as críticas e óbices às escolhas do partido foram relegadas pela companheirada ao ridículo. A bomba da inflação renitente que se armava -e notem que ela insiste em ficar entre nós, mesmo com uma recessão de quase 3%- era o Santo Graal do modelo petista. Dilma chegou a oferecer aos europeus, em 2012, num seminário na França, o modelo brasileiro como alternativa à falta de criatividade dos alemães, que insistiam na austeridade fiscal. Sim, Dilma quis ser a professora de Angela Merkel.
O artigo continua, mas o que me interessou foi esta parte.
Obrigado pela contribuição. Realmente há diversas convergências entre os artigos.
É mais que evidente, Paulo, que a crise é também a crise da experiência neoliberal do Brasil. O que o PT não é esquerda na prática, é apenas retórica.
Lúcio, sua leitura da crise está equivocada. A partir do segundo mandato do Lula, o governo Petista foi se afastando cada vez mais dos conceitos básicos do que você chama de neoliberal (responsabilidade fiscal, menor intervenção do estado na economia etc) e enveredando por um populismo irresponsável.
A crise atual não tem nada a ver com a experiência neoliberal. Trata-se exatamente do oposto: o segundo mandato de Lula e o primeiro de Dilma resultaram em um estado inchado, perdulário, intervencionista e incompetente. Não vou nem colocar a corrupção nesta conta.
Pois a ideologia que o PT está seguindo tira dos trabalhadores e paga aos credores!
Paulo, o grande credor do governo é o cidadão comum que paga impostos (todos nós, e os mais pobres pagam até mais impostos em relação à renda).
Se o PT entendesse alguma coisa de economia, não teria elevando tanto os gastos correntes. Sua afirmação é apenas uma frase de efeito repetida por quem nunca entendeu que não existe almoço grátis.