Na década de 1980 Gilles Deleuze e Felix Guattari fizeram muito sucesso no ambiente acadêmico com a questão do devir*. O conceito é complexo e interessante (há um verbete sobre o termo no final do artigo), mas ganhou fama principalmente por seus aspectos libertários. Era um “papo cabeça” chic em nome das minorias e do desejo individual, compreendido como pulsão e não como individualismo. O conceito ao mesmo tempo evoca e nega a famosa frase de Ayn Rand que vem a ser uma defesa do liberalismo contra as ideias totalizantes da esquerda: “A menor minoria na Terra é o indivíduo. Aqueles que negam os direitos individuais não podem se dizer defensores das minorias”.
A década de 1980 passou, o muro de Berlim caiu, a cortina de ferro virou sucata, o mundo girou, mas a esquerda não perdeu a pose.
Recentemente me deparei com um vídeo de uma entrevista com Deleuze que está fazendo sucesso no youtube e nas redes sociais. A entrevista pertence a uma série feita por Claire Parnet, filmada nos anos 1988-1989, durante o longo governo do socialista François Mitterrand na França. O nome do vídeo é “O QUE É SER DE ESQUERDA” e traz uma coleção de frases de efeito que podem ser um belo discurso, uma oração por um mundo melhor, mas estão longe de definir o que é ser de esquerda.
Pode-se mesmo dizer que a definição de esquerda que Deleuze apresenta nega a essência da teoria e da prática que definiu a esquerda majoritária de Marx e Engels para cá. No fim, ele sequestra o bom, o belo e o justo para seu uso muito particular do que significa ser de esquerda e afirma, indiretamente, que tudo que a “outra esquerda” produziu como teoria política e realizou como exercício de governo não é de esquerda. Esquerda é o ideal mítico, o imaginário, o intangível. Isto não é filosofia, é jogo de palavras para confortar almas cegas, perdidas dentro de um labirinto circular.
Não é o primeiro caso, obviamente. Em um artigo chamado A ESQUERDA E OS CAMINHOS QUE SE BIFURCAM trato de alguns outros que enveredam pelo caminho do autoengano.
Segue a transcrição da entrevista com alguns comentários meus onde achei necessário.
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A ENTREVISA
Claire Parnet (Entrevistadora): O que é ser de esquerda para você?
Deleuze: Vou lhe dizer. Acho que não existe governo de esquerda. Não se espantem com isso. O governo francês, que deveria ser de esquerda, não é um governo de esquerda. Não é que não existam diferenças nos governos. O que pode existir é um governo favorável a algumas exigências da esquerda, mas não existe governo de esquerda porque a esquerda não tem nada a ver com governo.
(Comentário meu: O nome disso é prestidigitação intelectual. Um truque. A esquerda nasceu e se realizou como força política e/ou revolucionária para ser poder, para ser governo. Temos aqui uma aplicação meio “criativa” do próprio conceito de devir*, como que a dizer: no momento em que se realiza, muda sua natureza e já não é o que era enquanto devir*. A mácula da realidade corrompe o que era ético e justo. Está mais para um “me engana que eu gosto” do que para uma formulação ancorada na realidade.)
Deleuze: Se me disserem para definir o que é ser de esquerda, ou definir a esquerda, eu o faria de duas formas.
Primeiro, é uma questão de percepção. A questão de percepção é a seguinte: o que é não ser de esquerda? Não ser de esquerda é como um endereço postal. Parte-se de si próprio, depois vem a rua, o bairro, a cidade, o estado e assim cada vez mais longe. Começa-se por si mesmo e, na medida em que se é privilegiado, que se vive em um pais rico, costuma-se pensar em como fazer para que esta situação perdure. Sabe-se que há perigos, que isso não vai durar e que é muita loucura.
Como fazer para que isso dure? As pessoas pensam: “os chineses estão longe, mas como fazer para que a Europa dure ainda mais?
E ser de esquerda é o contrário: é perceber… Dizem que os japoneses pensam assim. Não vêem como nós. Percebem de outra forma. Primeiro eles percebem o contorno. Começam pelo mundo, depois o continente (europeu por exemplo) até a França e chegarmos à Rua de Bizarte e a mim. É um fenômeno de percepção. Primeiro percebe-se o horizonte.
Claire Parnet (Entrevistadora): mas os japoneses não são um povo de esquerda…
Deleuze: Mas isso não importa. Estão à esquerda em seu endereço postal. Estão à esquerda. Primeiro, vê no horizonte e sabe que não pode durar, não é possível que milhares de pessoas morram de fome. Isto não pode mais durar. Não é possível essa injustiça absoluta. Não em nome da moral, mas da própria percepção. Ser de esquerda é começar pela ponta, começar pela ponta e considerar que estes problemas devem ser resolvidos. Não é simplesmente achar que a natalidade deve ser reduzida, pois é uma maneira de preservar os privilégios europeus. Deve-se encontrar os arranjos, os agenciamentos mundiais que farão com que o Terceiro Mundo… Ser de esquerda é saber que os problemas do Terceiro Mundo estão mais próximos de nós do que os de nosso bairro.
(Comentário meu: Primeiro, simplesmente dá um drible no fato lembrado por Claire Parnet de que os japoneses não são de esquerda. Prefere a blague à lógica que seria admitir que a percepção que considera um bom modelo abriga-se em uma cultura “de direita”, o que equivaleria a ter que concluir que tal visão, que tal forma de perceber o mundo não pertence ao campo da esquerda, ao menos não com exclusividade. Segundo, inicia aquele “discurso de miss” desejando a paz mundial, o fim da fome etc, mas sem explicar como fazer isto sem ser autoritário e violento – ou alguém imagina alguma solução de diálogo com o Estado Islâmico, com o Boko Haram ou outros malucos mundo afora? Mesmo em governos como o do Brasil: quem define o que? O pais a ser ajudado abre mão de sua autonomia? Se não abre, qual a garantia de que a ajuda chegará ao destino? O labirinto chega a ser palpável aqui).
Deleuze: É de fato uma questão de percepção. Não tem nada a ver com a boa alma. Para mim, ser de esquerda é isso.
E, segundo, ser de esquerda é ser ou devir* minoria. Não deixar o devir* minoritário.
A esquerda nunca é maioria enquanto esquerda por uma razão muito simples: a maioria é algo que supõe, até quando se vota, não é só a maior quantidade que se vota para tal coisa, mas a existência de um padrão.
(Comentário meu: mais um truque, mais uma negação da prática e da teoria de base da esquerda: a hegemonia nos corações e mentes.)
Deleuze: No ocidente, o padrão de qualquer maioria é: homem adulto, macho, cidadão. Ezra Pound e Joyce disseram coisas assim. O padrão é este. Portanto, irá obter maioria aquele que, em determinado momento, realizar este padrão. Ou seja, a imagem sensata do homem adulto, macho, cidadão. Mas posso dizer que a maioria nunca é alguém. É um padrão vazio. Só que muitas pessoas se reconhecem neste padrão vazio. Mas, em si, o padrão é vazio. O homem, macho etc.
As mulheres vão contar e intervir nesta maioria ou em minorias secundárias a partir de seu grupo relacionadas a este padrão. Mas ao lado disso, o que há? Há todos os devires que são minoria. As mulheres não adquiriram o ser mulher por natureza. Elas têm um devir* mulher. Se elas têm um devir* mulher, os homens também o têm.
Falemos de devir* animal. As crianças também têm um devir* criança. Não são crianças por natureza. Todos os devires são minoritários.
Claire Parnet (Entrevistadora): Só os homens não têm um devir* homem.
Deleuze: Não, pois é um padrão majoritário.
Claire Parnet (Entrevistadora): É vazio.
Deleuze: O homem macho, adulto, não tem devir*. Pode devir* mulher e vira minoria.
A esquerda é o conjunto de processos de devir* minoritário. Eu afirmo: a maioria é ninguém e a minoria é todo mundo.
Ser de esquerda é isso: saber que a minoria é todo mundo e que é ai que acontece o fenômeno do devir*.
É por isso que todos os pensadores tiveram dúvidas em relação à democracia, dúvida sobre o que chamam de eleições. Mas são coisas bem conhecidas.
(Comentário quase maldoso: Se o homem macho não tem devir* por ser maioria e padrão, falar em devir* minoritário é redundância, um pleonasmo).
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CONCLUINDO
Me parece óbvio que Deleuze é mais um pensador que tem dificuldades em dizer “não sou de esquerda”. Tem dificuldade em aceitar que as teses que embasam a prática politica da esquerda são na verdade o oposto de suas teses.
O eixo central de seu pensamento e de sua produção é libertário e crítico dos padrões dominantes, todos eles. Defende o espaço da diferença, do desejo. E este é o ponto chave para compreender o que afirmo.
De todas as experiências humanas de organizações sociais complexas, ou, para sermos mais diretos, de todas as experiências de governos conhecidas, a única em que suas ideias podem ser (e de fato a única em que foram) acolhidas e vivenciadas é a democracia liberal em suas diversas formas. É nela que o espaço da reinvindicação existe de fato e traz resultados. É nela que direitos individuais (a menor minoria da terra) possuem força para confrontar o estado, que por ser democrático e de direito, tem freios e limites.
Deleuze é o que chamo de “direita envergonhada”, ou, parafraseando Safatle, “a direita que teme dizer o seu nome”.
Artigo de Paulo Falcão.
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Para entender melhor o conceito de devir*, segue o verbete do livro O VOCABULÁRIO DE DELEUZE, de François Zourabichvili.
Traduçao André Telles Rio de Janeiro 2004
*DEVIR [devenir] “Devir é nunca imitar, nem fazer como, nem se conformar a um modelo, seja de justiça ou de verdade. Não há um termo do qual se parta, nem um ao qual se chegue ou ao qual se deva chegar. Tampouco dois termos intercambiantes. A pergunta ‘o que você devém?’ é particularmente estúpida. Pois à medida que alguém se transforma, aquilo em que ele se transforma muda tanto quanto ele próprio. Os devires não são fenômenos de imitação, nem de assimilação, mas de dupla captura, de evolução não paralela, de núpcias entre dois reinos.” (D, 8) * Devir é o conteúdo próprio do desejo (máquinas desejantes ou agenciamentos): desejar é passar por devires. Deleuze e Guattari enunciam isso no Anti-Edipo, mas só fazem disso um conceito específico a partir do Kafka. Acima de tudo, devir não é uma generalidade, não há devir em geral: não se poderia reduzir esse conceito, instrumento de uma clínica fina da existência concreta e sempre singular, à apreensão extática do mundo em seu universal escoamento – maravilha filosoficamente oca. Em segundo lugar, devir é uma realidade: os devires, longe de se assemelharem ao sonho ou ao imaginário, são a própria consistência do real (sobre este ponto, ver CRISTAL DE TEMPO). Convém, para compreendê-lo bem, considerar sua lógica: todo devir forma um “bloco”, em outras palavras, o encontro ou a relação de dois termos heterogêneos que se “desterritorializam” mutuamente. Não se abandona o que se é para devir outra coisa (imitação, identificação), mas uma outra forma de viver e de sentir assombra ou se envolve na nossa e a “faz fugir”. A relação mobiliza, portanto, quatro termos e não dois, divididos em séries heterogêneas entrelaçadas: x envolvendo y torna-se x’, ao passo que y tomado nessa relação com x torna-se y’. Deleuze e Guattari insistem constantemente na recíproca do processo e em sua assimetria: x não “se torna” y (por exemplo, animal) sem que y, por sua vez, venha a ser outra coisa (por exemplo, escrita ou música). Misturam-se aqui duas coisas que não devem ser confundidas: a) (caso geral) o termo encontrado é arrastado num devir-expressivo, correlato das intensidades novas (conteúdo) pelas quais passa o termo que encontra, em conformidade com as duas faces de todo agenciamento (cf. o tema “só se devém animal molecular”, MP, 337); b) (caso restrito) a possibilidade de que o termo encontrado seja por sua vez aquele que encontra, como nos casos de co-evolução, de maneira que um duplo devir aconteça de cada lado (cf. o exemplo da vespa e da orquídea, MP,17). O devir e, em suma, um dos pólos do agenciamento, aquele em que conteúdo e expressão tendem ao indiscernível na composição de uma “máquina abstrata” (daí a possibilidade de considerar não metafóricas formulações como: “escrever como um rato que agoniza”, MP, 293). ** Kafka e Mil platôs apresentam uma hierarquia dos devires. Essa hierarquia, não menos que a lista por ela organizada, só pode ser empírica, procedendo de uma avaliação imanente: animalidade, infância, feminilidade etc. não têm privilégio algum a priori, mas a análise constata que o desejo tende a investí-Ias mais que qualquer outro domínio. Não bastaria observar que elas são alteridades em relação ao modelo de identificação majoritária (homemadulto-macho etc.), pois não se propõem absolutamente como modelos alternativos, como formas ou códigos de substituição. Animalidade, infância, feminilidade valem por seu coeficiente de alteridade ou de desterritorialização absoluta, abrindo a um para-além da forma que não e o caos mas uma consistência dita “molecular”: então a percepção capta variações intensivas (composições de velocidade entre elementos informais) e não um recorte de formas (conjuntos “molares”), ao passo que a afectividade se emancipa de seus bordões e impasses habituais (ver LINHA DE FUGA). Tomemos o exemplo do animal: como tal, ele não e esse indivíduo domesticado e tornado familiar que pode ser acrescentado aos membros da família; inseparável de uma matilha mesmo virtual (um lobo, uma aranha quaisquer), ele só vale pelas intensidades, pelas singularidades e pelos dinamismos que apresenta. A relação imediata que temos com ele não e a relação com uma pessoa, com suas coordenadas identifica tórias e seus papéis; ela suspende o recorte dicotomico dos possíveis, o reconhecimento de formas e de funções. Todavia, a própria possibilidade de travar uma relação familiar com o animal, ou de lhe atribuir atributos mitológicos, indica um limite da relação com o animal do ponto de vista da desterritorialização (Kplm, 66-7; MP, 294). Entre os tipos de devires, o critério de seleção não pode ser senão um fim imanente: em que medida o devir, em cada caso, se quer a si mesmo? Devires-criança e devires-mulher parecem assim levar a mais longe do que os devires-animais, pois tendem para um terceiro grau onde o termo devir não e nem mesmo atribuível, para uma “assignificância” que não se presta mais ao menor reconhecimento ou à menor interpretação, e onde as perguntas “o que se passa?” “como vai isso?” assumem uma ascendência definitiva sobre “o que isso quer dizer?”: não a renúncia ao sentido, mas, ao contrário, sua produtividade, numa recusa da confusão sentido-significação e da distribuição sedentária das propriedades. Esse terceiro grau, embora não haja aí nem progressão dialética nem série fechada, chama-se “devir-intenso”, “devir-molecular”, “devir– imperceptível”, “devir-todo-mundo” (cf. Kplm, cap. 2 e 4; MP, platô 10).
Link para a íntegra do livro:
Link para a entrevista: https://www.youtube.com/watch?v=-7GzC6LXW9I
Link para artigos relacionados:
A ESQUERDA E OS CAMINHOS QUE SE BIFURCAM. http://wp.me/p4alqY-4D
LIBERDADE, DEMOCRACIA E MARXISMO: ESTRANHO FETICHE.http://wp.me/p4alqY-1a
Já eu concordo completamente se você pensar a esquerda como devir. O Estado é burguês, faz-se política para a burguesia e o pt é o maior exemplo. Nesse sentido a esquerda não combina com a democracia representativa.
Henrique, de fato as teses de esquerda, aquela de origem marxista, que têm como objetivo final acabar com a propriedade privada dos meios de produção, não combina nem um pouco com a democracia liberal. Ao contrário: prega abertamente contra ela. Mas a esquerda que Deleuze defende não é esta, e este é o ponto. Acabei escrevendo um outro artigo sobre este vídeo justamente para esmiuçar melhor a questão. Fica o convite para que o leia também:
ESQUERDA X ESQUERDA, OU: NÃO DÁ PARA CHAMAR SEMÁFORO DE LIQUIDIFICADOR.
Bom, eu já tinha visto parte desta entrevista…enfim, ele está errado em dizer que não existe governo de esquerda, ou ao menos não chega à essência da coisa. Existe governo de esquerda, mas dentro de uma racionalidade burguesa, o Estado, embora seja um lugar onde ocorre a luta de classes, é burguês. Logo a esquerda (não sei de qual esquerda se trataria nesse caso) não conseguirá atingir seus objetivos a não ser que, no mínimo, haja a reforma deste Estado, diminuindo o impacto dos grandes grupos econômicos nas decisões do mesmo (ou em última instância, pensando dentro dos padrões da esquerda revolucionária, destruindo-se este Estado que é, no nosso contexto, gêmeo-siamês da burguesia). Nesse aspecto ele é bem vacilante, parece ser parte da esquerda que se propõe a “jogar o jogo” dentro do prisma de seu inimigo político.
Ele está certo ao dizer que ser de esquerda é ver do macro ao micro. Pelo simples fato de que ser de esquerda é evitar o imediatismo e o pragmatismo, escapar da aparência e tentar enxergar os problemas da sociedade na essência, saindo da superfície e conseguindo chegar à estrutura dos mesmos. Como ele mesmo disse, não se trata de moralismo ou amor aos pobres, mas sim fugir de uma visão da realidade permeada pela moral dominante e tentar chegar “mais além”.
Quanto aos devires, eles deixam claro que ele faz parte de uma esquerda mais comprometida com as minorias que com as classes subalternas. Não sei dizer muito à respeito, mas discordo que não haja um “devir homem”. Numa sociedade patriarcal como a nossa, existem para todos imposições de padrões, com a diferença que alguns sofrem mais com eles, outros menos, mas a todos é imposto isto.
Enfim, acho que você perdeu seu tempo, chutou cachorro morto,. Apesar de ter partes legaizinhas Deleuze tá longe de ser um parâmetro quando o assunto é esquerda.
Thomaz, você está em um campo ideológico oposto ao meu, mas seu comentário corrobora o que disse no artigo: Deleuze não seria de esquerda e a esquerda é essencialmente um projeto de poder. Parece que estamos de acordo.
Paulo, bolivarianismo não tem a ver com marxismo. Um é nacionalista, o outro não.
E note o que Duvivier escreveu:
Deleuze diz que o que difere a direita da esquerda é a forma que cada uma pensa o endereço postal. A direita diz: Gilles Deleuze. 12. Rue de Bizerte. Paris. França. Mundo. A esquerda diz: Mundo. França. Paris. Rue de Bizerte. 12. Gilles Deleuze. Ser de esquerda é perceber que os problemas do mundo vêm antes dos problemas do bairro que vêm antes dos meus problemas pessoais. Ali, Simba, tudo o que seus olhos podem ver, tudo isso é problema seu.
Lúcio, acho que você comentou sem ler, já que o techo que você cita é objeto de análise no artigo.
De qualquer maneira, sobre esta história de que “ser de esquerda é perceber que os problemas do mundo vêm antes dos problemas do bairro que vêm antes dos meus problemas pessoais” repito o que já lhe disse em outro comentário: nunca houve, para a população de menor renda, melhores condições de vida que a conquistada nos países com maior compromisso com a democracia. Podemos dizer, portanto, que do ponto de vista prático, a democracia é quem realiza de fato a melhora de vida da população, principalmente dos mais pobres.
Este tal endereço postal, na esquerda, fica apenas no campo da imaginação. As práticas foram todas com mortos educativos em escala industrial.
Mas Deleuze inclusive nega estas experiências da esquerda. Para ele a esquerda não consegue se realizar como exercício de poder.
Leia o artigo e meus comentários e isto ficará bem claro.
kk Toda propriedade privada é sagrada no Brasil, menos as terras indígenas, os terrenos onde moram os pobres que sofrem remoção com obras da Copa, etc.
Lúcio, acho que alguém está utilizando sua conta, porque este comentário está muito desconectado do tema. Mas, de qualquer forma, a questão no socialismo é o fim da propriedade privada dos meios de produção, e não da propriedade.
No Brasil, realmente há muito a se fazer em termos de direitos fundamentais, mas vejo esta discussão totalmente deslocada aqui.
Esquerda e direita são apenas conceitos relativos, como disse Marx na peça Escorpião e Félix.
Já a democracia que vc tanto defende para mim é pouco ou nada defensável: nada república burguesa mais democrática, o destino da maior parte da populaçaõ é a escravidão assalariada. Por isso e´preciso lutar pelo socialismo.
Lúcio, esta sua visão de democracia como sinônimo de “capitalismo malvadão” não se sustenta. Nunca houve, para a população de menor renda, melhores condições de vida que a conquistada nos países com maior compromisso com a democracia.
Como já disse em outro artigo, “A história da esquerda é a história do sofrimento que impingiu a sua própria gente em nome do bem. Não há exceção conhecida. Não há exemplo edificante. Apontar pontos positivos é possível, mas todos eles ocorreram e ocorrem sob a condução de governos autoritários e ou totalitários. Não estamos falando de governos de esquerda em regimes de democracia liberal, evidentemente. Estamos falando de governos de esquerda que conseguem avançar sobre a democracia liberal.”
Parabens..voce superou Deleuze…perseguindo seus calcanhares magníficamente..
Hugo, não tenho a pretensão de superar Deleuze, mas não me sinto impedido de dizer que o rei está nu quando me deparo com sua nudez. Como Caetano, inclusive, posso achar que o rei é mais bonito nu.
Falo isso tem um tempão. A verdadeira esquerda é em certa medida a que proporciona o direito a um liberalismo individualista. O indivíduo pode fazer o que quiser da vida dele… Desde que não passe por cima de outro indivíduo. Nesse ponto os liberais e os conservadores se acordam. Conservadores sempre querem impor sua moral e botar a conta da defesa da propriedade particular, sua própria, individual, privada… Na coletividade….
Victor, há uma questão importante: se há individualidade, se há o direito de empreender, por exemplo, há consequentemente o direito à propriedade privada dos meios de produção. Isto é fundamentalmente contra toda a base teórica do socialismo/comunismo. Do ponto de vista prático e teórico, ser de esquerda é ser tão ou mais autoritário que um conservador de direita.
E quem deu à você o direito de se apropriar dos meios de produção, digamos, porque você chegou primeiro alí e meteu uma cerca? Daí chega um cara que estava alí até ontem e diz, pera, eu usava esse terreno aqui. E você diz, agora é meu. Sai fora ou vou te denunciar como um invasor. Se quiser trabalhar aqui agora só se for como meu empregado….
Proudhon já tinha explicado que, propriedade privada do fruto do seu trabalho, é liberdade. Pescou o peixe é seu. Caçou a caça é sua. Colheu frutos os frutos são seus…. Cercou um território de caça, pesca e plantações?!? Pera… Assim você está se apropriando de recursos que eram comunitários… Isso é roubo,propriedade dos meios de produção é roubo… Ela é legítima? Quem a torna legítima? Pagando impostos, um estado lhe garante a posse e a propriedade, pela força, com seus exércitos, polícia e judiciário?
Você pode ser contra a propriedade privada dos meios de produção, mas não dá para fazer isso e falar em democracia ao mesmo tempo. Esta é uma discussão complexa, mas nem toda posse de meio de produção é baseada em coerção ou injustiça. A pessoa que inventa ou aprimora um processo, se torna mais eficente, contata outros para trabalhar com ele etc não está sendo injusta ou antiética. Tenho pesquisado e escrito sobre este tema no blog e dois artigos talvez sejam mais oportunos como complemento deste nosso debate. Este é o primeiro: A MERITOCRACIA E SEU OPOSTO http://wp.me/p4alqY-eo
O segundo chama-se “DEMOCRACIA SOCIALISTA” É O SACI PERERÊ DA CIÊNCIA POLÍTICA: NÃO PASSA DE FOLCLORE. http://wp.me/p4alqY-3n
Cara. Veja o Brasil. As Américas. Os indígenas viviam muito bem aqui sem a noção da propriedade privada. A propriedade privada também não existe em Israel. A propriedade privada é uma concessão estatal. A sociedade é quem estabeleceu as regras para reis conquistarem território e distribuírem entre os nobres? Ou isso foi conseguido na base da força bruta militar? Não tenho nada contra a propriedade privada estabelecida democraticamente pela sociedade que decide abrir mão do seu direito de usufruir de um bem de uso comum em troca do indivíduo arcar com a responsabilidade de produzir e defender a propriedade e também de preservar seu uso sustentável já que hoje em dia sabemos que os efeitos da degradação e devastação atingem todos em sua volta e não só o proprietário. Mas a sociedade realmente definiu as leis de propriedade de forma democrática? Ou isso é herança de épocas de tirania absolutista? Hoje eu posso comprar um terreno num loteamento… Mas quem deu o título de propriedade para o atual proprietário? O Dom João el rey que roubou aquela terra dos índios com seus soldados? Parece legítimo?
Não se pode produzir terra. A terra não é fruto do seu trabalho… Então a sua propriedade é roubo… A terra pertence à comunidade… Claro que se você quer um pedaço de terra pra criar gado ou plantar…. Você poderia arrendar a mesma da comunidade, e pagar o aluguel… Mas grilar e tomar posse e se apropria sai mais barato né?
As cidades também… Um dia algum fazendeiro ou coronel ou político importante e influente decidiu fundar uma cidade. Construir uma igreja e uma cadeia. Contratar um prefeito e um delegado. As terras certamente eram de algum latifundiário. Que as recebeu… Do rei… Por concessão… Agora ele pode lotear o latifúndio e vender terrenos para as pessoas que vierem morar na cidade. Todo mundo comprou e pagou por sua casa… Comprou de alguém que .. Tinha a propriedade legítima?! Bom. É legitimada pela conivência da sociedade com o crime… Então depois vamos reclamar da nossa sociedade ser desigual… 75% das terras no Brasil são propriedade de 10% da população… Os outros 90% se espremem em 25% restantes ou pagam aluguel e arrendamento… Cadê o livre mercado imobiliário? Ah mas terra não se produz a lei de oferta e procura vale para produtos e um bem finito escasso e ilegítimo como a propriedade de terra nem poderia ter sido tratado como mercadoria… Como se conserta isso? Eu não sei. Comunistas tiveram a idéia radical de expropriação de tudo e estatização de tudo. Sabemos que assim não dá certo… Acredito que uma legislação mais democrática impondo limitações sobre a propriedade segundo o interesse público viria a calhar. Tributação mais enfática da propriedade de terras idem afinal é a propriedade que serve de base…. Veja o MST… Ele só existe por causa da concentração de propriedade de terras… Tem gente pra trabalhar mas eles não tem terra então a única opção é ser empregados de quem tem terra… Quem tem terras não dá conta de trabalhar sozinho precisa contratar alguém. Ele não deveria ser proprietário legítimo só das terras que desse conta de lidar sozinho? Não sei mas se ele só consegue produzir contratando um batalhão de trabalhadores porque essa terra é dele e não de uma cooperativa de trabalhadores? Talvez porque um indivíduo sozinho decida melhor que um monte de cabeças discutindo numa assembléia soviética… Então é algo sobre o qual os economistas e legisladores e a sociedade deveriam se debruçar. Regras para a propriedade. Impostos sobre a propriedade. A propriedade deve ser útil à sociedade e não a sociedade escrava da propriedade.
Victor, há momentos em que seus comentários seguem uma linha muito juvenil. As terras e os meios de produção já mudaram muitas vezes de mãos, e continuam mudando. Este discurso de reescrever a história do mundo para consertar injustiças do passado é destas utopias bobas que não podem produzir nada de bom ou de concreto. A discussão nem é nova. Veja o vídeo (curto) deste artigo: O DESEJO DE VINGANÇA COMO JUSTIÇA SOCIAL http://wp.me/p4alqY-fy
Concordo plenamente
…com meu chará…